China enfrenta contradição entre política externa e posição pró-Moscovo

A invasão da Ucrânia deixa a China perante "contradições gritantes", entre os seus princípios sobre integridade territorial e a sua inclinação para Moscovo, constituindo um "teste importante" da "evolução política" de Pequim, aponta à Lusa um analista.

Notícia

© Reuters

Lusa
25/02/2022 12:14 ‧ 25/02/2022 por Lusa

Mundo

Analista

O país asiático quer encontrar um "equilíbrio impossível ao almejar três objetivos: parceria estratégica com a Rússia; defesa de princípios de longa data da sua política externa, de 'integridade territorial e não interferência' nos assuntos internos de outros países; e o desejo de minimizar os danos colaterais das sanções impostas a Moscovo", afirma, em declarações à Lusa, o vice-presidente do grupo de reflexão ('think tank') Carnegie Endowment for International Peace, Evan A. Feigenbaum.

Feigenbaum, que supervisiona os centros de pesquisa do grupo em Washington, Pequim e Nova Deli, considera que a China "vai ter que abdicar de um ou dois princípios", face à "impossibilidade de conciliar" objetivos "contraditórios", ou então "mudar de posição, dia após dia, face ao escrutínio internacional".

"A escolha quase certa da China vai ser abandonar os seus princípios enquanto prioriza considerações práticas", prevê.

Para já, o analista observa na indefinição da posição chinesa um contraste, face a situações semelhantes ocorridas no passado.

Em 2008, quando a Rússia invadiu a Geórgia e reconheceu dois territórios -- Abecásia e Ossétia do Sul - como estados "independentes", Pequim expressou abertamente "preocupação" com as ações russas.

Seis anos depois, quando a Rússia anexou a península da Crimeia, Pequim procurou manter alguma flexibilidade, ao abster-se das principais resoluções das Nações Unidas e evitar apoiar abertamente os argumentos e posições de Moscovo.

"Hoje, no entanto, Pequim está a empregar alguns dos argumentos da própria Rússia [sobre política de segurança], enquanto aponta o dedo a Washington, e não a Moscovo", observa o analista.

Na quinta-feira, após a Rússia ter iniciado a sua ofensiva sobre a Ucrânia, o ministro dos Negócios Estrangeiros chinês, Wang Yi, disse ao homólogo russo, Sergei Lavrov, que a China "compreende as preocupações de segurança da Rússia", mas ressalvou que Pequim "sempre respeitou a soberania e a integridade territorial de todos os países", de acordo com uma transcrição divulgada pela diplomacia chinesa.

Nos últimos anos, os laços China - Rússia foram reforçados, sob o comando do Presidente chinês, Xi Jinping, que recebeu o homólogo, Vladimir Putin, em Pequim, no início deste mês.

Xi e Putin emitiram na altura uma declaração conjunta contra o alargamento da NATO na Europa de leste. No entanto, Pequim inibiu-se de referir a Ucrânia ou apoiar uma ofensiva militar.

A China partilha com a Rússia a defesa por uma nova ordem mundial multipolar, apontando a redistribuição de poder, em contraposição com a hegemonia norte-americana.

Pequim enfrenta também um sistema de alianças norte-americano juridicamente vinculativo na região do Indo-Pacífico, que inclui Japão, Austrália ou Taiwan, a ilha que Pequim reivindica como uma província sua.

Mas as ações russas "violam categoricamente" princípios de "longa data" da China em questões de soberania, integridade territorial e não interferência, nota Evan A. Feigenbaum.

Na quarta-feira, a porta-voz da diplomacia chinesa, Hua Chunying, acusou o Ocidente de criar "medo e pânico" com a crise, e disse que os Estados Unidos estão a "atirar gasolina para o fogo", ao fornecer armas a Kiev.

"A inclinação para Moscovo, especialmente quando comparada a 2008, é tão notável que, na prática, Pequim não vai conseguir evitar a perceção de que está a viabilizar a política russa por meio do silêncio, da cumplicidade ou mesmo do apoio ativo", refere Feigenbaum.

"Ao abandonar os seus princípios enquanto falsifica essa escolha na névoa de uma linguagem diplomática astuta, Pequim deixou claro que o elemento mais decisivo da política [externa] chinesa agora é a sua inclinação para Moscovo", conclui.

A Rússia lançou na quinta-feira de madrugada uma ofensiva militar na Ucrânia, com forças terrestres e bombardeamento de alvos em várias cidades, que já provocaram pelo menos mais de 120 mortos, incluindo civis, e centenas de feridos, em território ucraniano, segundo Kiev. A ONU deu conta de 100.000 deslocados no primeiro dia de combates.

O Presidente russo, Vladimir Putin, disse que a "operação militar especial" na Ucrânia visa "desmilitarizar e desnazificar" o seu vizinho e que era a única maneira de o país se defender, precisando o Kremlin que a ofensiva durará o tempo necessário, dependendo de seus "resultados" e "relevância".

O ataque foi condenado pela generalidade da comunidade internacional e motivou reuniões de emergência de vários governos, incluindo o português, e da Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO), União Europeia (UE) e Conselho de Segurança da ONU, tendo sido aprovadas sanções em massa contra a Rússia.

Leia Também: UE "quer cortar todos os laços entre a Rússia e o sistema financeiro"

Partilhe a notícia

Produto do ano 2024

Descarregue a nossa App gratuita

Oitavo ano consecutivo Escolha do Consumidor para Imprensa Online e eleito o produto do ano 2024.

* Estudo da e Netsonda, nov. e dez. 2023 produtodoano- pt.com
App androidApp iOS

Recomendados para si

Leia também

Últimas notícias


Newsletter

Receba os principais destaques todos os dias no seu email.

Mais lidas