Uma leva de refugiados faz a sua marcha à saída da estação de Przemysl, no leste da Polónia, e cruza-se com uma fila de dezenas de pessoas prestes a embarcar no mesmo comboio que as levará à Ucrânia em guerra.
Uns carregam a angústia de fugir do seu país, outros a ânsia de lá entrar. Ludmila, de 29 anos, já conheceu os dois caminhos. Chegou na quinta-feira a Przemysl, acomodou-se em casa de uma voluntária em Cracóvia e, no dia seguinte, já estava na mesma estação para regressar à Ucrânia.
"Não era a minha terra, não era a minha casa, não era o meu país. Fui refugiada um dia", conta a educadora de infância, já a bordo do comboio com destino a Lviv, penúltima paragem antes do regresso ao seu lar em Ternopil, na Ucrânia ocidental.
Ludmila já sabe que a espera o "som terrível e ameaçador" da passagem de aviões de combate e o ecoar dos alarmes noturnos, numa região que ainda não entrou no mapa do conflito, pouco mais de uma semana da invasão russa. "Claro que tudo é incerto e tenho medo, mas vou ficar até ao fim", assegura, enquanto alimenta o filho, Gnat, de quatro anos. O pai foi para a frente de combate.
O mesmo destino terá Oleskyi, que se retirou do seu posto de operário numa fábrica de amortecedores em Gliwice, na Polónia, e, aos 47 anos, prepara-se para voltar à guerra, depois de ter combatido no exército como cabo na região do Donbass.
Vestido com um casaco militar com a bandeira ucraniana na manga esquerda, afirma que é movido pelo mesmo dever de todos os que responderam ao apelo de mobilização para a defesa do país: "Porque é o meu, está em guerra, tenho experiência militar e continuo pronto".
Oleskyi, casado e sem filhos, é originário de Kryvyi Rig, no sudeste da Ucrânia, a mesma cidade do Presidente do país, Volodymyr Zelensky. A sua empresa na Polónia ofereceu-se para pagar a viagem da mulher para fora do país, mas ambos recusaram.
A cidade encontra-se muito perto da Rússia e a língua predominante de Oleskyi é a russa. Até com a mulher, que lhe responde em ucraniano "e não há problema nenhum". E esse é um dos motivos que o leva a acreditar que a identidade da Ucrânia vive deste tipo de diferenças e não será esta invasão que a vai fazer quebrar.
Pouco antes do posto fronteiriço de Mostytska, o comboio imobiliza-se junto de outro, já parado, e que seguirá no sentido oposto, levando mais mulheres e crianças para a Polónia. De ambas as composições, todos acenam à janela e muitos comovem-se.
"Há quem viaje por muitos motivos, em negócios ou de férias. Outros viajam para proteger as suas famílias", resume Oleskyi, "chocado e cheio de indignação" com vídeos que amigos lhe enviam de baixas civis em bombardeamentos russos.
Os vídeos da guerra captados por cidadãos são, aliás, largamento vistos, partilhados e comentados, ao longo da viagem de quatro horas para Lviv, pelas dezenas de passageiros, cada um com a sua razão para a fazer e dois suecos partilham a mesma.
"Não quero ser apenas um homem, quero ser alguém que pode ajudar as pessoas e, se tenho a sorte de ter posses e já fui militar, é a coisa correta a fazer", declara um sujeito encorpado de 25 anos, trabalhador numa fábrica de aço, que se ofereceu para ajudar as tropas ucranianas e que apenas se quer identificar como "voluntário sueco".
Na mesma linha, Rasmus, 25 anos, também espera colocar ao serviço da Ucrânia a sua experiência militar no exército sueco, considerando "uma loucura tudo o que se está a passar".
Antes que a Rússia avance mais do que isto e atinja outros na Europa e a própria Suécia, o estudante de engenharia eletrónica quer travá-la já, assumindo que tem medo e que terá de saber "lidar com ele e resistir" - tal como com a oposição da sua família.
Mas este comboio, de bilhete grátis em tempos de crise, não transporta apenas ajuda humanitária para a Ucrânia e homens para a guerra. Nele também segue Alina, uma ucraniana de 60 anos, residente em Madrid há 22, e que pretende juntar-se aos dois filhos, netos e à mãe doente em Lviv e a ideia é ficar.
"Não sei quanto tempo nem o que vai acontecer. De momento as coisas estão calmas na região, mas, se algo acontecer, levo-os todos para Madrid", afirma em espanhol.
Também viaja para Lviv um grupo de 11 pessoas da Universidade de Tecnologia e Design de Kiev, que saíra do país para fazer uma apresentação da cultura da Ucrânia, que incluía toalhas bordadas e bonecas ucranianas na Expo Dubai.
"No dia da apresentação fomos informados pelo rececionista do hotel que a Ucrânia tinha sido bombardeada de madrugada e foi cancelada", lamenta Oleg Shevshenko, 50 anos, diretor da internacionalização da Universidade.
É incerto se o grupo de professores, alunos e o próprio reitor consegue voltar a Kiev, de onde todos recebem notícias de amigos e familiares, descrevendo explosões diárias, áreas de subúrbios ocupadas pelas forças russas e muitas pessoas abrigadas nas caves das suas casas, "mas que não aguentam um bombardeamento".
Também Ira, tradutora de 31 anos, foi sacudida fora do país, em férias, pelas notícias dramáticas daquele 24 de fevereiro: "Era o dia do meu aniversário e o meu país estava a ser invadido".
Estava consciente das ameaças do Presidente Putin, mas nunca pensou que ele fosse "tão longe em pleno século XXI". O caminho de regresso, com um plano de viagem todo reprogramado, foi penoso. Atravessou três continentes em quatro dias antes desta etapa final até Ternopil, na parte ocidental da Ucrânia.
"A situação está relativamente calma na região, mas já sabemos que as coisas já mudaram quando muitas pessoas de Leste começaram a instalar-se na nossa cidade. Temos de aceitá-los e ajudar os nossos militares, observa Mariana, professora de inglês de 31 anos, que acompanhou Ira na viagem e dirige fortes elogios a Volodymyr Zelensky: "É o nosso Presidente, tem sido incrível".
Ambas acreditam na vitória da Ucrânia e na preservação da independência ucraniana, ainda que as forças de Putin ocupem algumas regiões: "Mas nunca vão conquistar os nossos corações", garante Ira. "Como quer que isto acabe, seremos sempre ucranianos, nunca seremos russos".
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