"Eles [ucranianos] não querem assinar um documento que pode ser argumentado no futuro pelo lado russo como um reconhecimento tácito da presença russa", disse em entrevista à Lusa Rafael Grossi, diretor da Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA).
"Estamos numa negociação muito complicada porque é natural que, para uns e para outros, um acordo-quadro, mesmo muito geral, não deveria ser um instrumento político de reconhecimento de uma realidade que não é possível ser aceite pelo lado ucraniano", adiantou.
Invadida pela Rússia a 24 de fevereiro, a Ucrânia tem 15 reatores nucleares e a maior central nuclear da Europa, Zaporijia, que já atingida devido aos combates entre as forças russas e ucranianas.
Trata-se, sublinhou o diretor da AIEA, de uma "situação verdadeiramente inédita" na história moderna: "um conflito armado, num espaço geográfico tão vasto, com instalações nucleares de tantos tipos", que incluem centrais nucleares, mas também depósitos de material radioativo, nomeadamente na central de Chernobyl, palco do maior desastre nuclear de sempre, em 1986.
Grossi reuniu-se na semana passada, na Turquia, com os chefes da diplomacia da Rússia, Serguei Lavrov, e da Ucrânia Dmytro Kuleba, tendo proposto a ambos um acordo em torno de um quadro de segurança nuclear específico para a Ucrânia neste momento, que está a ser negociado.
"Foram reuniões profundas, construtivas, com os dois ministros, Lavrov e Kuleba. Falámos disso e tenho uma base mínima de aceitação de trabalho conjunto com a Agência e de necessidade de estabelecer uma base clara de respeito pelos sete princípios, como defini, de segurança nuclear, mas também de eventual facilitação de assistência concreta das equipas técnicas [da AIEA] no local", disse Grossi à Lusa.
A agência da ONU quer assegurar a presença física dos seus peritos nessas instalações em perigo, mas apenas depois de um acordo-quadro entre as duas partes beligerantes.
Segundo Grossi, o texto proposto inclui princípios gerais de segurança nuclear, por exemplo o respeito da integridade física das instalações, vedando-as a ataques militares.
Outros princípios "cardinais, de sentido comum" incluem a segurança de fornecimento da eletricidade exterior, comunicações e condições normais de trabalho para os funcionários, tudo questões essenciais para prevenir um acidente nuclear, mas que têm vindo a ser afetadas durante o conflito.
"Estou pronto a viajar pessoalmente [até à Ucrânia]. Disse claramente [a ambas as partes] que não vou colocar a minha gente [no terreno] antes de ir pessoalmente. Este quadro geral compreende compromissos políticos e de proteção que são indispensáveis. Sem essas garantias mínimas acho que não seria possível para mim como diretor enviar gente para um espaço de grande perigosidade", adiantou o responsável da AIEA.
"Por isso estou a multiplicar a criatividade para encontrar esse ponto de referência político e diplomático, mas tecnicamente viável, para obter um marco de facilitação de assistência que é muito necessária", disse ainda.
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