Numa reunião sobre a situação humanitária na Ucrânia, Estados Unidos (EUA), França e Reino Unido afirmaram que os bombardeamentos incessantes da Rússia a cidades e infraestruturas críticas da Ucrânia criaram uma das maiores crises humanitárias das últimas décadas, deixando milhares de cidadãos sem comida, água, aquecimento ou eletricidade durante um inverno severo.
"As pessoas recorreram ao derretimento da neve para beber água. Uma mãe disse a repórteres que só podia alimentar as suas três filhas com uma colher de mel por dia enquanto elas se escondiam das bombas russas. Agora, as autoridades da cidade dizem que as pessoas estão a começar a morrer - a morrer -- de fome. Pensem sobre isso", disse a vice-secretária de Estado dos EUA, Wendy Sherman.
"Há cinco semanas, Mariupol estava em paz. Era, de facto, uma movimentada cidade portuária, exportadora de cereais, que ajudava a alimentar o mundo. Hoje, os seus moradores estão a morrer por causa da guerra de escolha do Presidente [russo, Vladimir] Putin", acrescentou.
A governante norte-americana frisou que, apesar de Ucrânia e Rússia serem grandes produtores agrícolas, Moscovo bombardeou pelo menos três navios civis que transportavam mercadorias dos portos do Mar Negro para o resto do mundo; bloqueou o acesso aos portos da Ucrânia, "basicamente cortando as exportações de cereais"; impediu que cerca de 94 navios que transportam alimentos para o mercado mundial chegassem ao Mediterrâneo; e alegadamente atacou silos de cereais e instalações de armazenamento de alimentos.
"Todas essas ações da Rússia estão a criar uma crise alimentar na Ucrânia -- e muito além das fronteiras. Os preços dos alimentos estão a subir vertiginosamente em países de baixos e médios rendimentos, à medida que a Rússia sufoca as exportações ucranianas. (...) Estamos particularmente preocupados com países como Líbano, Paquistão, Líbia, Tunísia, Iémen e Marrocos, que dependem fortemente de importações ucranianas para alimentar as suas populações", afirmou.
Também o chefe do Programa Alimentar Mundial (ONU), David Beasley, disse que a guerra reduziu as entregas de fertilizantes da Rússia e da Bielorrússia e impediu os ucranianos de cultivar milho, trigo e sementes de girassol, aumentando os riscos de uma crise alimentar global.
O embaixador da Rússia junto da ONU, Vasily Nebenzya, rebateu as acusações e acusou o ocidente de "hipocrisia", tal como já tinha prometido que faria, quando na semana passada viu ser rejeitada no Conselho de Segurança uma resolução "humanitária" que apresentou.
"Vejo aqui muitos apelos de iniciativas humanitárias, mas quero recordar a vossa inconsistência de terem rejeitado a nossa resolução humanitária que tinha muitos passos para se atingir esse fim. A nossa resolução era muito mais completa do que os pedidos apresentados aqui pelos colegas ocidentais. (...) hipocrisia", disse Nebenzya.
O diplomata russo advogou que apesar de os seus homólogos ocidentais não terem aprovado a resolução "humanitária" que apresentou, a Rússia colocou "esses pontos em prática", organizando "corredores humanitários" e "providenciando medicamentos e comida para os necessitados".
"Já entregamos mais de 6.000 toneladas de ajuda para a Ucrânia e meio milhão de refugiados ucranianos foram abrigados na Rússia", declarou o embaixador.
Nebenzya referia-se a uma resolução "humanitária" sobre a Ucrânia que apresentou no Conselho de Segurança da ONU na semana passada e que foi chumbada, sem surpresas, com dois votos a favor e 13 abstenções.
A resolução "humanitária" sobre a Ucrânia elaborada pela Rússia foi vista por vários diplomatas como uma "hipocrisia", tendo em conta que foi a própria Rússia a causar "esta guerra ilegal", estando condenada ao "fracasso" devido à falta de apoio.
A Rússia lançou em 24 de fevereiro uma ofensiva militar na Ucrânia que matou pelo menos 1.179 civis, incluindo 104 crianças, e feriu 1.860, entre os quais 134 crianças, segundo os mais recentes dados da ONU, que alerta para a probabilidade de o número real de vítimas civis ser muito maior.
A guerra provocou a fuga de mais de 10 milhões de pessoas, incluindo mais de 3,9 milhões de refugiados em países vizinhos e quase 6,5 milhões de deslocados internos.
A invasão russa foi condenada pela generalidade da comunidade internacional, que respondeu com o envio de armamento para a Ucrânia e o reforço de sanções económicas e políticas a Moscovo.
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