Os ataques contra civis ucranianos em Bucha devem ser considerados genocídio? E se sim, porquê? O cientista político e historiador Eugene Finkel, da Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos da América (EUA), explicou na rede social Twitter por que razão os crimes cometidos na Ucrânia por tropas russas passaram de “crimes de guerra” a “genocídio”.
O especialista revela que, até à manhã de segunda-feira, “resistiu” em aplicar o termo “genocídio”, dando preferência a “crimes de guerras” ou “retórica hedionda”. Mas a “combinação de cada vez mais evidências, de diferentes lugares” e “retórica oficial explícita” mudaram.
“A definição legal oficial de genocídio é ‘atos cometidos com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, como tal”, explica.
Contudo, a definição “tem grandes problemas” por falta de “limites claros” e por ser “quase impossível provar intenção”. “As pessoas que cometem genocídio geralmente não são idiotas, se houver ordens, elas seriam dadas oralmente”, exemplificou.
Got questions about why I think it is genocide. Until this morning I resisted applying the term. War crimes? Sure. Heinous rhetoric? You bet. What changed is the combination of more and more evidence, from different places, and even more importantly, explicit official rhetoric /1
— Eugene Finkel (@eugene_finkel) April 4, 2022
O cientista político defende que os crimes na Ucrânia não começaram como um “genocídio” mas “evoluíram” para tal porque as “condições mudaram”. “A invasão russa, a meu ver, não começou com uma clara intenção genocida, mas evoluiu para uma”, afirmou, acrescentando que “a mudança de regime e a subjugação colonial” - apontados como os objetivos da Rússia para a invasão da Ucrânia - “por si só não são suficientes para constituir um genocídio”.
Mas, há “mais evidências de que Bucha não é uma exceção”. “Cada massacre pode ser uma iniciativa local, juntos são uma campanha”, frisa.
Eugene Finkel cita ainda um artigo publicado pela agência estatal de notícias russa RIA Novosti como um dos motivos pelo qual os crimes podem ser chamados de genocídio. O artigo intitulado ‘O que é que a Rússia deve fazer na Ucrânia?’, da autoria de um analista pró-Kremlin e publicado no sábado passado, segue a narrativa defendida pelo presidente russo, Vladimir Putin, de que a “ofensiva militar” na Ucrânia tem como objetivo “desnazificar” o país, que, “como mostra a história, não é capaz de ser um estado-nação”. O autor do artigo, Timofei Segeitsev, defende ainda a "eliminação de nazis não obedientes”, a “captura de criminosos de guerra” e a “criação de condições para a subsequente desnazificação nos tempos de paz”.
Ora, para o cientista político, a publicação do artigo na agência de notícias estatal “é uma das declarações mais explícitas de intenção de destruir um grupo nacional como tal” que já viu.
“Eu sei russo. Eu li muita retórica nacionalista russa na minha vida. Esta não é uma fantasia intelectual selvagem, é uma declaração de intenção clara e acionável por um agência estatal. A definição da ONU é problemática, mas neste caso encaixa-se como uma luva”, considerou.
Recorde-se que os primeiros relatos de crimes contra civis na cidade ucraniana de Bucha surgiram durante o fim de semana. Segundo as autoridades ucranianas, civis foram violados, torturados e mortos pelas tropas russas. Os ataques têm sido negados pelo Kremlin, que defende que as imagens divulgadas são “falsas”.
Assinala-se esta terça-feira o 41.º dia da invasão russa da Ucrânia. Pelo menos 2.097 civis morreram e 1.430 ficaram feridos, segundo dados confirmados pela Organização das Nações Unidas (ONU). A guerra já levou à fuga de mais de dez milhões de pessoas, 4,1 milhões das quais para países vizinhos.
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