Num encontro com jornalistas em Nova Iorque, o chefe da missão diplomática brasileira, Ronaldo Costa Filho, afirmou que este conflito pode ser decisivo para o futuro da Organização das Nações Unidas (ONU) e do seu Conselho de Segurança.
"Acho que corremos um risco muito real de haver uma mudança e não para melhor. Estamos preocupados com a integridade do sistema multilateral e isso não é apenas na ONU, mas em várias instituições. Tudo isto é parte de uma estrutura que foi implementada depois da II Guerra Mundial e que é objeto de intensas críticas, mas as pessoas nunca param para pensar onde é que estaríamos se não tivéssemos nada disto", disse à Lusa o diplomata.
"Penso que tem entregado resultados incríveis para a comunidade global em todo o mundo e estamos extremamente preocupados que estas iniciativas para isolar a Rússia possam levar a uma profunda fratura neste sistema e que o divida. Não estou a dizer que é iminente, mas temos o medo que seja um potencial desmembramento", acrescentou Costa Filho.
O Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, discursou na terça-feira perante o Conselho de Segurança da ONU e criticou a passividade do órgão perante a ofensiva russa.
Para tentar garantir que a Rússia seja responsabilizada pelos seus atos, o líder ucraniano pediu uma reforma imediata do Conselho de Segurança das Nações Unidas, que permita ao organismo ser "realmente eficaz" e "garantir a paz", sublinhando que "é hora de transformar a estrutura das Nações Unidas".
Zelensky pediu ainda a exclusão da Rússia do Conselho de Segurança, do qual é um dos cinco membros permanentes e onde tem poder de veto, mecanismo que tem usado para travar resoluções contrárias às pretensões russas.
"Podem fazer duas coisas: ou excluir a Rússia como agressora e iniciadora da guerra para que ela não bloqueie as decisões relacionadas com a sua própria agressão (...) ou, por favor, mostrar que podemos reformar ou mudar (...). Se não houver alternativa, a próxima opção seria uma dissolução conjunta", declarou o Presidente ucraniano.
Face às acusações de passividade de Zelensky, o embaixador brasileiro na ONU concordou e afirmou que, "de facto, o Conselho de Segurança não está a fazer nada para resolver a crise".
"Isto leva-nos ao ponto de que se não nos sentarmos e falarmos, nunca chegaremos a nenhum tipo de solução", disse Costa Filho, ao defender o uso da diplomacia para se resolver a guerra.
"O facto de estarmos a ter reuniões à porta aberta no Conselho de Segurança mostra claramente (...) que não estamos a fazer diplomacia, mas sim relações publicas. (...) Devíamos estar sentados, a negociar, e não estamos. E, vamos ser francos, não é a primeira vez que o Conselho está neste tipo de impasse", observou.
Uma reforma e expansão do Conselho de Segurança, frequentemente considerado obsoleto, já vêm sendo pedidas há vários anos, sempre sem sucesso, por falta de consenso. Aos membros permanentes - Estados Unidos, França, Reino Unido, Rússia e China -, que têm poder de veto, pretendem juntar-se países emergentes como a Índia, África do Sul e Brasil.
Ao longo dos anos, o poder de veto tem sido uma das questões mais polémicas e alvo de vários pedidos de modificação. Esse tem sido, aliás, o mecanismo usado pela Rússia para impedir que o Conselho de Segurança atue contra si.
"Quando se fala numa reforma do Conselho de Segurança, uma das questões é o poder de veto. A ideia por detrás de veto não é permitir que um país bloqueie o progresso, mas sim forçar os cinco membros permanentes a sentarem-se e escrever uma resolução que seja aceite por todos os cinco. Mas não é assim que está a ser implementado", disse Ronaldo Costa Filho, num encontro marcado com jornalistas para esclarecer a posição do Brasil em relação à guerra na Ucrânia.
"Há várias propostas em cima da mesa que limitam o uso do veto. Devíamos abolir o veto? Talvez. Isso é algo realista? Não", frisou o embaixador.
A Rússia lançou em 24 de fevereiro uma ofensiva militar na Ucrânia que matou pelo menos 1.626 civis, incluindo 132 crianças, e feriu 2.267, entre os quais 197 menores, segundo os mais recentes dados da ONU, que alerta para a probabilidade de o número real de vítimas civis ser muito maior.
A guerra já causou um número indeterminado de baixas militares e a fuga de mais de 11 milhões de pessoas, das quais 4,4 milhões para os países vizinhos.
Esta é a pior crise de refugiados na Europa desde a II Guerra Mundial (1939-1945) e as Nações Unidas calculam que cerca de 13 milhões de pessoas necessitam de assistência humanitária.
A invasão russa foi condenada pela generalidade da comunidade internacional, que respondeu com o envio de armamento para a Ucrânia e o reforço de sanções económicas e políticas a Moscovo.
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