Antes de ser condenado a 19 anos e dois meses de prisão por rapto, Chan Sai Lok (nome fictício) já era acompanhado por uma assistente social. Por isso, quando, em reclusão, tomou a decisão de prosseguir os estudos universitários, fez de tudo para seguir Serviço Social.
"Os assistentes sociais são uma espécie de anjos", diz.
Em liberdade há dois anos, Chan foi quem desencadeou a parceria de cerca de duas décadas entre o Estabelecimento Prisional de Coloane e a Universidade de São José (USJ), ao enviar uma carta à instituição de ensino superior católica. Na altura, 2009, cumpria pena há uma década, quando leu um anúncio no jornal sobre os cursos da USJ.
"Escrevi-lhes sem saber se iriam reagir, mas felizmente responderam-me uma semana depois", lembra.
"Com pouco que fazer na cadeia", Chan chegou a trabalhar na biblioteca e no ginásio do estabelecimento prisional, mas nada trouxe "mais esperança" ao então jovem de 28 anos do que este projeto "para o futuro".
"Existem tantas adversidades lá fora, e eu achava, naquela altura, que precisava de me atualizar e preparar-me para esses desafios", recorda.
Ao longo dos dez anos que o separavam da liberdade definitiva, Chan completou um ano curricular, dedicando-se a uma nova rotina atrás das grades: "Tínhamos uma sala de aulas, frequentávamos o curso quatro ou cinco dias por semana e, como eu partilhava a cela, estudava na cama".
O Programa de Desenvolvimento na Prisão (Prison Outreach Programme, em inglês) foi lançado em 2009, com o objetivo de preparar os reclusos "para o futuro, para a reintegração social e para uma melhor transição na comunidade", explicou a coordenadora do projeto, Helen Liu, referindo que a seleção dos candidatos "é rigorosa", sendo exigida uma carta de intenções e uma entrevista.
"Estas pessoas têm um historial singular e, na formação em Serviço Social, existe uma abordagem mais humana, por isso penso que conseguem usar a história pessoal e o passado e aplicá-los neste campo", refere a académica, justificando assim o interesse dos reclusos nesta área de trabalho.
Suspensa durante alguns anos devido a problemas ligados à gestão de pessoal da USJ, a colaboração entre a prisão e a universidade foi retomada em 2018, num formato "mais estruturado", sendo que agora, por exemplo, a última fase da licenciatura exige ao estudante que esteja em liberdade.
Esta formação em Serviço Social é o único curso superior acessível em todo o sistema prisional de Macau e é frequentada atualmente por 16 reclusos, segundo dados enviados à Lusa pela Direção dos Serviços Correcionais (DSC).
A maioria, sete, tem entre 21 e 30 anos, cinco pertencem à faixa etária dos 31-40 anos e quatro estão entre os 41 e 50 anos de idade. No entanto, entre os estudantes não há mulheres.
"Homens e mulheres não podem estar juntos, mas há pouco tempo o nosso diretor recebeu uma carta da ala feminina a revelar interesse", sustenta a coordenadora Helen Liu, referindo, além disso, que o curso é lecionado em chinês e não tem uma variante em português, uma das línguas oficiais do território.
Questionada sobre a possibilidade de o programa ser estendido às mulheres, a DSC frisou que nunca recebeu pedidos nesse sentido, mas, caso isso aconteça, serão considerados.
Paul Pun, secretário-geral da Cáritas Macau, a organização que apoiou no passado esta parceria, com o reforço do pessoal docente, alerta que o ensino superior deve chegar a toda a população prisional, além de defender a criação de outros projetos de educação terciária para os reclusos.
"São pessoas que têm muito tempo dentro da prisão e podem usar essa energia para estudar e planear o futuro", explica o líder da Cáritas Macau, responsável pelo Lar de Acolhimento Temporário, que abriga, numa fase transitória, "ex-reclusos com dificuldades em encontrar uma casa".
Por outro lado, a académica Helen Liu diz que "é importante fazer o acompanhamento destas pessoas" no período pós-reclusão.
"Na prisão, têm uma rotina, mas cá fora, com outros estímulos e ambiente, pode haver alguma confusão e, se não os guiarmos devidamente, podem voltar ao passado", considera.
Chan Sai Lok tem hoje 40 anos, vive com os pais e trabalha para uma organização não-governamental como coordenador de atividades, enquanto termina o penúltimo ano da licenciatura.
Em Macau, "apesar de hoje ser melhor", prevalece uma imagem negativa em relação a quem viveu prisioneiro, lamenta Chan, que admite sentir "algum distanciamento" por parte dos colegas e dos velhos amigos.
Para o próximo ano letivo, o estudante deverá começar a última fase do percurso universitário, o estágio curricular, tornando-se, assim, no primeiro finalista do Programa de Desenvolvimento da Prisão da USJ.
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