Crippa criticou, contudo, as declarações de Lavrov segundo as quais pode haver elementos neonazis infiltrados nas cúpulas do poder ucraniano e que o facto de alguns dos governantes, incluindo o próprio Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, serem judeus "não quer dizer nada", porque "Hitler também tinha origens judaicas".
"As declarações delirantes do chanceler russo Lavrov são de particular importância, porque confirmam claramente a falta de vontade do [Presidente russo, Vladimir] Putin de alcançar uma solução diplomática para a guerra russa contra a Ucrânia", sustentou Crippa num comunicado.
"Quanto às acusações de Lavrov e aos paralelos absurdos sobre Hitler e os judeus, só os antissemitas viscerais podem dar crédito ao que parecem ser puras loucuras, assim como os falsos historiadores já desmentidos pelos factos", acrescentou.
No entanto, após as críticas suscitadas por ter permitido tal entrevista e ter, por isso, consentido ao MNE russo a defesa das suas teses sem que o jornalista as refutasse ou o questionasse sobre elas, o diretor de informação do Mediaset sublinhou que ela "é um documento que retrata a história contemporânea".
"A Europa poderá envolver-se cada vez mais numa guerra sangrenta e não devemos ouvir quem, a nível institucional, desencadeou este conflito?", interrogou.
Na sua opinião, "o pluralismo da informação e as boas regras do jornalismo sempre sugerem que se oiçam todas as opiniões, inclusive as mais controversas e dissonantes", sem que isso signifique partilhá-las.
O grupo, da família Berlusconi, já enviou para a zona de guerra jornalistas que "arriscam a vida todos os dias para relatar este horrível conflito, sem descartar a propaganda bélica e mostrando as imagens dos crimes cometidos", e continuará "a dar voz a todos os protagonistas desta grave crise mundial", concluiu o diretor de informação.
Na entrevista de quase 50 minutos emitida pelo canal de notícias Rete4, o MNE russo assegurou que a missão da "operação militar especial" na Ucrânia é "desnazificar" o país e, quando o jornalista observou que alguns dos governantes ucranianos a quem estava a chamar nazis são judeus, entre os quais Zelensky, Lavrov observou que, por serem judeus, não quer dizer que não sejam nazis e apontou como exemplo Hitler, afirmando que este "também tinha origens judaicas".
"Isso (serem judeus) não significa nada. Há muito tempo que ouvimos o sábio povo judeu dizer que os antissemitas também são hebreus", acrescentou.
A comunidade judaica de Roma classificou hoje tais declarações como "antissemitas", e a sua presidente, Ruth Dureghello, disse que foram "afirmações delirantes e perigosas" transmitidas ao público a partir de uma televisão italiana.
Também o ministro dos Negócios Estrangeiros israelita, Yair Lapid, classificou as declarações de Lavrov como "graves" e convocou o embaixador da Rússia em Israel "para uma reunião de esclarecimento", ao passo que o vice-presidente da Comissão Europeia Margaritis Schinas as descreveu como "inaceitáveis" e "escandalosas".
Entretanto, Itália anunciou hoje que vai investigar as mensagens propagandísticas a favor da Rússia e de Putin e sobre a invasão da Ucrânia que diariamente chegam às televisões do país, a última das quais foi a entrevista a Lavrov que desencadeou grande indignação.
Adolfo Urso, presidente da Comissão Parlamentar para a Segurança da República (COPASIR), que supervisiona as atividades dos Serviços Secretos, explicou hoje que está prevista uma investigação específica, juntamente com os diretores da televisão pública RAI e da Autoridade para a Garantia das Comunicações (AGCOM).
O que se receia é a difusão de notícias falsas ou de propaganda nos debates das estações televisivas italianas e, segundo Urso, "a entrevista a Lavrov, pelo modo como decorreu e a montanha de mentiras que espalhou, justifica essas preocupações".
"Já tínhamos destacado nos nossos relatórios ao parlamento o modo como a Rússia está a agir para condicionar democracias ocidentais, usando a desinformação como um dos seus principais instrumentos, além da guerra cibernética e da espionagem", indicou.
A ofensiva militar russa iniciada na madrugada de 24 de fevereiro na Ucrânia -- justificada por Putin com a necessidade de "desnazificar" e desmilitarizar o país vizinho para segurança da Rússia - foi condenada pela generalidade da comunidade internacional, que respondeu com o envio de armamento para a Ucrânia e a imposição à Rússia de sanções que atingem praticamente todos os setores, da banca ao desporto.
Cerca de 13 milhões de pessoas necessitam de assistência humanitária na Ucrânia, e a guerra, que entrou hoje no 68.º dia, causou até agora a fuga de mais de 13 milhões de pessoas, mais de 5,5 milhões das quais para os países vizinhos, de acordo com os mais recentes dados da ONU, que a classifica como a pior crise de refugiados na Europa desde a Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
A ONU confirmou hoje que 3.153 civis morreram e mais de 3.000 ficaram feridos, sublinhando que os números reais poderão ser muito superiores e só serão conhecidos quando houver acesso a cidades cercadas ou a zonas até agora sob intensos combates.
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