Em final de abril, a página oficial na rede social Facebook das Forças Armadas ucranianas citava o "trabalho de propaganda que está a ser distribuído entre as tropas da Federação Russa, que impõe a ideia de que a guerra deve terminar até ao dia 09 de maio".
A data apontada coincidia com a celebração do Dia da Vitória -- que assinala a capitulação do regime da Alemanha nazi perante as forças soviéticas, em 09 de maio de 1945, no final da Segunda Guerra Mundial -- que há várias décadas o Kremlin festeja com uma parada militar destinada a manifestar o seu poderio bélico.
Nas últimas semanas, contudo, o Kremlin começou a desvalorizar a relevância desta data para o curso da "operação militar especial" na Ucrânia, expressando a mensagem de que a invasão não está dependente de "marcos no calendário".
"Nem que o quisesse, o Kremlin não tem possibilidades no terreno para reivindicar qualquer vitória assinalável na Ucrânia, até 09 de maio. A realidade militar é tudo menos favorável, nesta altura", disse à Lusa Julian Waller, investigador do Centre for Naval Analysis, um centro de estudos militares no estado da Virgínia, EUA, e profundo conhecedor das estratégias militares russas.
"No entanto, não estou a defender que a Rússia não tente chegar a 09 de maio com uma ambição de visível progresso nos seus avanços militares na Ucrânia. O que digo é que, mesmo que reclame vitórias pontuais na zona de Donbass -- onde está a instalar um poderoso dispositivo de guerra -- o Presidente russo (Vladimir Putin) não vai querer fazer do Dia da Vitória na Segunda Guerra Mundial um novo Dia da Vitória na Ucrânia", explicou Waller.
No início deste mês, o ministro dos Negócios Estrangeiros português, João Gomes Cravinho, durante uma palestra na Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD), avisou que a crise militar e política provocada pela Rússia poderá estender-se "por dois ou três anos", bem para além do 09 de maio.
Esta perspetiva é partilhada por Cristina Rivera, investigadora de Conflitos Internacionais na Universidade de Salamanca, para quem a guerra na Ucrânia ainda está na sua fase preliminar, com a Rússia a colocar as suas pedras no tabuleiro de xadrez mundial.
"Tratando-se de um regime autoritário, centrado numa personalidade forte como a de Vladimir Putin, as datas simbólicas têm importância. Mas, para o Presidente russo, o mais importante é garantir que daqui a um ano ele ainda estará no palco presidencial para assistir a mais uma parada militar. E, para isso, ele não pode perder esta guerra", disse à Lusa a investigadora espanhola.
"É uma questão de sobrevivência, para Putin. Ele precisa de, num destes dias, declarar um sucesso militar. Esse será o seu Dia de Vitória, mas ainda não será agora", explicou Rivera.
Para Julian Waller, este mês de maio será crucial para a posição militar russa na Ucrânia, em termos de recomposição e de refrescamento das tropas, pelo que os estrategos de Putin o devem estar a aconselhar a não apressar nenhuma operação.
"Este será o mês crucial para as forças russas reagruparem, reorganizarem-se e prepararem uma nova etapa do conflito, agora mais centrado na zona de Donbass, onde devem tentar consolidar as suas posições", explicou o analista militar.
Num artigo escrito em 2015 - quando das celebrações dos 70 anos do Dia da Vitória e poucos meses depois da anexação da Crimeia pela Rússia - Wladislaw Inosemzew, investigador do Conselho Alemão para as Relações Internacionais, defendia que o Kremlin deveria aproveitar a data de 09 de maio não para promover o seu poderio militar, mas para recordar os seus soldados que morreram na Segunda Guerra mundial.
"Enquanto a Rússia mantiver uma reivindicação exclusiva sobre a história soviética, esse legado não pode servir como fonte de verdadeiro patriotismo. Para tal, deve tornar-se uma história de povos, e não de governos", defendia Inozemtsev, para argumentar que o Dia da Vitória nunca poderá servir para o Kremlin se impor sobre outros países.
"Mas Putin gosta de se reinventar e de reinventar a história da Rússia. Por isso, não será de estranhar que queira recriar o Dia da Vitória à luz do seu papel na tentativa de reunificação da antiga União Soviética, mesmo que isso implique a ameaça à soberania de países como a Geórgia ou a Ucrânia", defendeu Cristina Rivera.
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