O Supremo Tribunal dos Estados Unidos confirmou esta sexta-feira a decisão de revogar o processo 'Roe v. Wade', o processo que concedeu o direito constitucional ao aborto no país há quase 50 anos.
A decisão tomada pela maioria de juízes conservadores no Supremo já era esperada, depois de ter sido divulgado em maio um rascunho sobre a intenção do principal tribunal norte-americano de reverter o processo. A votação foi de 5-4, sendo que os três juízes conservadores nomeados pelo ex-presidente Donald Trump fizeram pender a balança para o lado anti-aborto.
A reversão do 'Roe v. Wade', o processo que concedeu o direito federal e universal ao aborto em todo o país, em 1973, é um dos mais duros golpes aos direitos das mulheres norte-americanas em quase 50 anos.
Em cerca de metade dos estados, onde a liderança é republicana e conservadora, como o Texas ou o Oklahoma, foram sendo aprovadas leis e medidas que entrarão quase imediatamente em vigor, e proibirão e criminalizarão completamente a interrupção voluntária da gravidez. Em 13 estados, existem 'trigger laws' (do inglês, 'leis gatilho'), que vão já entrar em vigor.
De notar que a decisão não torna o aborto ilegal: 'apenas' deixa de o considerar um direito constitucional, o que permite que os estados conservadores o possam proibir. Segundo a NBC News, a reversão do 'Roe v. Wade' é uma das poucas vezes em que o Supremo Tribunal decide anular uma decisão previamente tomada e revogar um direito constitucional - sendo esta a primeira vez que o faz apesar da maioria do país não o apoiar.
A divulgação do rascunho, em maio, foi acolhida com surpresa pelo eleitorado norte-americano e pela comunidade internacional, que acusou os Estados Unidos de retrocederem civilizacionalmente numa questão praticamente encerrada para o público. Várias sondagens demonstraram que uma larga maioria da população é a favor do aborto, e sete em cada dez norte-americanos acredita que a decisão de abortar é unicamente da mulher.
Ao longo das últimas semanas, várias organizações e associações de direitos das mulheres e de proteção do direito ao aborto organizaram protestos por todo o país, incluindo junto às casas dos membros do tribunal. As doações a clínicas que permitem fazer de forma segura interrupções da gravidez também subiram a pique.
O regresso do debate no Supremo Tribunal em torno do direito ao aborto deu-se por causa de uma decisão em 2018, aprovada pela maioria republicana no estado do Mississippi, que proibiu o aborto a partir das 15 semanas. Os democratas ainda tentaram legislar o direito ao aborto através do Senado, mas os 50 republicanos e o democrata conservador Joe Manchin votaram contra e bloquearam a moção.
A decisão do Supremo é também um espelho dos problemas de representatividade dos Estados Unidos da América. O cargo de juiz é quase vitalício, e os juízes são nomeados pelos presidentes norte-americanos em funções. Donald Trump teve a oportunidade de nomear três juízes, devido à reforma ou à morte de juízes em funções - o caso mais famoso sendo o de Ruth Bader Ginsburg.
Ginsburg, um símbolo da luta feminista norte-americana, morreu pouco antes de Trump ter perdido as eleições em 2020, e o então presidente nomeou imediatamente a ultraconservadora Amy Comey Barrett - contra as intenções de Ruth Bader Ginsburg de ser sucedida apenas depois de um novo presidente tomar posse. Os republicanos permitiram a nomeação em tempo recorde, semanas antes das eleições em que Joe Biden venceu, apesar de no mandato de Barack Obama terem bloqueado a nomeação do juiz Merrick Garland por alegaram que não deviam ser permitidas nomeações em ano de eleições.
[Notícia atualizada às 15h49]
Leia Também: Roe vs. Wade. Perceba as questões fundamentais sobre o aborto nos EUA