Numa cerimónia realizada no Palácio Dolmabahçe, na cidade turca de Istambul, com a parceria da Turquia e da ONU, foram assinados dois documentos - já que a Ucrânia recusou assinar o mesmo papel que a Rússia - devendo o acordo vigorar durante quatro meses, sendo, no entanto, renovável.
Depois de dois meses de duras negociações, os documentos visam criar um centro de controlo em Istambul, dirigido por representantes das partes envolvidas: um ucraniano, um russo, um turco e um representante da ONU, que deverão estabelecer o cronograma de rotação de navios no Mar Negro.
O acordo implica também que passe a ser feita uma inspeção dos navios que transportam os cereais, para garantir que não levam armas para a Ucrânia.
Estas inspeções, que serão realizadas tanto à saída como à chegada dos navios, deverão acontecer nos portos de Istambul.
Os documentos foram assinados pelo ministro da Defesa russo, Serguei Shoigu, e pelo ministro das Infraestruturas ucraniano, Oleksandr Kubrakov.
Cada um assinou um acordo, com textos iguais, com o secretário-geral da ONU, António Guterres, e o ministro da Defesa turco, Hulusi Akar.
A cerimónia contou também com a presença do presidente turco, Recep Tayyip Erdogan.
"Hoje, há um farol no Mar Negro", considerou António Guterres, referindo ver "um farol de esperança, um farol de possibilidade, um farol de alívio num mundo que precisa mais do que nunca".
"Vocês superaram obstáculos e deixaram de lado as diferenças para abrir caminho para uma iniciativa que servirá os interesses comuns de todos", acrescentou, dirigindo-se aos representantes russos e ucranianos.
Erdogan reconheceu que "não foi fácil" chegar até à assinatura dos documentos e disse esperar que o acordo, quase cinco meses após o início da invasão russa da Ucrânia, "fortaleça a esperança de acabar com esta guerra".
A Ucrânia é um dos maiores exportadores mundiais de trigo, milho e óleo de girassol, mas a invasão russa ao país, iniciada em 24 de fevereiro, e o bloqueio naval dos seus portos interromperam as exportações.
Alguns cereais têm sido transportados para a Europa por via ferroviária, rodoviária e fluvial, mas os preços destes alimentos essenciais dispararam e puseram em risco de fome vários países em desenvolvimento.
O acordo prevê a passagem segura de navios através de corredores, que os dois lados se comprometem a respeitar, e prevê o estabelecimento de um centro de controlo em Istambul, composto por representantes da ONU, da Turquia, da Rússia e da Ucrânia, para administrar e coordenar o processo.
Os navios com cereais devem ainda passar por inspeções, para garantir que não levam armas para entregar a Kyiv, mas o ministro ucraniano rejeitou que os russos escoltem navios ucranianos ou que haja representantes de Moscovo nos portos da Ucrânia, ameaçando mesmo com uma resposta militar imediata "em caso de provocações".
Guterres falou ainda da necessidade de restabelecer a produção agrícola da Ucrânia, mas também de voltar a colocar cereais e fertilizantes da Rússia nos mercados mundiais.
Autoridades russas e ucranianas têm-se culpado mutuamente pelo bloqueio de cereais no Mar Negro, tendo Moscovo acusado Kyiv de não remover minas marítimas nos portos para permitir o transporte seguro, enquanto a Ucrânia argumenta que o bloqueio portuário da Rússia e o lançamento de mísseis no Mar Negro inviabilizaram qualquer viagem de navios e obrigaram a reter nos silos cerca de 25 milhões de toneladas deste alimento.
Os Estados Unidos já saudaram o acordo, tendo o porta-voz do Departamento de Estado norte-americano, Ned Price, afirmado ser necessário agora garantir a responsabilização da Rússia "pela implementação deste acordo e por permitir que os cereais ucranianos chegam aos mercados mundiais".
A Rússia lançou em 24 de fevereiro uma ofensiva militar na Ucrânia que já matou mais de 5.100 civis, segundo a ONU, que alerta para a probabilidade de o número real ser muito maior.
A ofensiva militar russa causou a fuga de mais de 16 milhões de pessoas, das quais mais de 5,9 milhões para fora do país, de acordo com os mais recentes dados da ONU.
A organização internacional tem observado o regresso de pessoas ao território ucraniano, mas adverte que estão previstas novas vagas de deslocação devido à insegurança e à falta de abastecimento de gás e água nas áreas afetadas por confrontos.
Também segundo as Nações Unidas, mais de 15,7 milhões de pessoas necessitam de assistência humanitária na Ucrânia.
A invasão russa foi condenada pela generalidade da comunidade internacional, que respondeu com o envio de armamento para a Ucrânia e o reforço de sanções económicas e políticas a Moscovo.
[Notícia atualizada às 16h35]
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