A queda rápida da central nuclear de Chernobyl na tarde de 24 de fevereiro não foi ao acaso, acreditam as autoridades.
Em menos de duas horas, e sem combate, os 169 membros da Guarda Nacional Ucraniana depuseram as suas armas. A Rússia tinha tomado Chernobyl, um repositório de toneladas de material nuclear e um posto de reabastecimento chave na aproximação a Kyiv.
Uma investigação da Reuters descobriu que o sucesso da Rússia em Chernobyl não foi um acidente, mas sim parte de uma operação de longa data do Kremlin para se infiltrar no Estado ucraniano com agentes secretos.
Cinco pessoas com conhecimento dos preparativos do Kremlin disseram que os conselheiros de Putin acreditavam que, ajudados por estes agentes, a Rússia precisaria apenas de uma pequena força militar e alguns dias para forçar a administração do presidente ucraniano Zelensky a desistir, fugir ou capitular.
Através de entrevistas com dezenas de funcionários na Rússia e na Ucrânia e de uma revisão dos documentos e declarações dos tribunais ucranianos aos investigadores, relacionadas com uma investigação sobre a conduta das pessoas que trabalharam em Chernobyl, a Reuters estabeleceu que esta infiltração atingiu um nível muito mais profundo do que aquele que foi publicamente reconhecido. Os funcionários entrevistados incluem pessoas dentro da Rússia que foram informadas sobre o planeamento da invasão de Moscovo e investigadores ucranianos encarregados de localizar espiões.
"Para além do inimigo externo, temos infelizmente um inimigo interno, e este inimigo não é menos perigoso", disse o secretário do Conselho Nacional de Segurança e Defesa da Ucrânia, Oleksiy Danilov, numa entrevista.
Na altura da invasão, disse Danilov, a Rússia tinha agentes nos setores da defesa, segurança e justiça ucranianos. Recusou-se a dar nomes, mas disse que tais traidores precisavam de ser "neutralizados" a todo o custo.
O Gabinete Estatal de Investigação da Ucrânia está a levar a cabo uma investigação sobre se a Guarda Nacional agiu ilegalmente ao entregar as suas armas a um inimigo, disse um funcionário à Reuters. O Departamento de Estado de Investigação não fez comentários. A Guarda Nacional defendeu as ações da sua unidade na central, apontando para os riscos de conflito num local nuclear.
Documentos e testemunhos revelam o papel desempenhado pelo chefe da segurança de Chernobyl, Valentin Viter, que está detido e a ser investigado por se ter ausentado do seu posto. Viter é também suspeito de traição, uma alegação que o seu advogado diz ser infundada. Numa declaração aos investigadores, Viter disse que, no dia da invasão, falou por telefone com o comandante da unidade da Guarda Nacional e aconselhou o comandante a não pôr em perigo a sua unidade, dizendo-lhe: "Poupe o seu povo".
Uma fonte com conhecimento direto dos planos de invasão do Kremlin disse ainda à Reuters que agentes russos foram destacados para Chernobyl no ano passado para subornar oficiais e preparar o terreno para uma tomada de posse sem sangue. A Reuters, contudo, não pôde verificar independentemente os detalhes desta afirmação. No entanto, o Gabinete de Investigação do Estado da Ucrânia afirmou que está a investigar um antigo alto funcionário dos serviços secretos, Andriy Naumov, por suspeita de traição por ter passado os segredos de segurança de Chernobyl a um Estado estrangeiro. Um advogado de Naumov recusou-se a comentar.
A nível nacional, Moscovo estava a contar com a ativação de agentes adormecidos dentro do aparelho de segurança ucraniano. Fontes confirmaram que os serviços secretos ocidentais informaram que o Kremlin estava a alinhar Oleg Tsaryov, um hoteleiro, para liderar um governo fantoche em Kyiv. Um antigo procurador-geral ucraniano revelou também à Reuters em junho que o político ucraniano Viktor Medvedchuk, um amigo de Putin, tinha um telefone codificado emitido pela Rússia para que pudesse comunicar com o Kremlin.
Medvedchuk encontra-se numa prisão ucraniana à espera de julgamento por acusações de traição que antecedem a invasão russa.
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