Nebraska processa mulher por ajudar filha a ter um aborto

Investigadores usaram mensagens privadas do Facebook para acusar a mãe da adolescente, então com 17 anos.

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Notícias ao Minuto
10/08/2022 16:01 ‧ 10/08/2022 por Notícias ao Minuto

Mundo

Direito ao aborto

Uma mulher no estado norte-americana do Nebraska está a ser processada por ter ajudado a filha a ter um aborto, depois do limite de 20 semanas definido pela lei do estado. As autoridades usaram mensagens privadas do Facebook para a acusação, nas quais mãe e filha discutiram o uso de medicação para induzir um aborto.

Apesar do limite definido pelo estado ser de 20 semanas, o caso é único pois surge depois da reversão do processo 'Roe v. Wade', que definiu o direito ao aborto nos Estados Unidos e foi anulado recentemente pelo Supremo Tribunal. Até há pouco, os estados não podiam aplicar leis que proibissem interrupções voluntárias da gravidez (IVG), porque o tribunal considerava um limite de 24 semanas - o ponto a partir do qual um feto é considerado viável fora do útero.

Até a polícia recolher as mensagens, as autoridades sabiam apenas que a jovem, então com 17 anos, tivera um aborto involuntário e que queimou os restos. A recolha das mensagens foi essencial para a acusação, e está a ser criticada por ativistas pelo direito ao aborto, que apontam o dedo ao Facebook por ceder às autoridades e invadir o direito à privacidade das duas mulheres, com muitos a acusarem de distópica a relação entre polícia e rede social.

"Republicanos a processar uma adolescente por um aborto autoadministrado no Nebraska, depois de mandatarem as suas mensagens privadas. Eles estão mesmo a tentar prender mulheres", disse Zac Petkanas, um antigo conselheiro de Hillary Clinton.

Segundo o processo citado pela Associated Press, Jessica Burgess, de 41 anos, disse à filha, então com 17 anos, que tinha arranjado medicamentos que lhe permitiram ter um aborto em segurança. A jovem respondeu com expectativa, e demonstrou nas mensagens que claramente não tinha intenção de ter a criança.

No início de junho, a mãe e a filha foram processadas por esconderem e abandonarem um corpo, considerado um crime leve.

Cerca de um mês depois, já depois da decisão do Supremo Tribunal (que surgiu no dia 24 de junho), as autoridades decidiram então aproveitar o novo 'status quo' e processar as duas por causa do aborto - a jovem, que já tem 18 anos, será julgada como uma adulta.

As duas mulheres contaram, inicialmente, que o bebé da jovem nasceu morto, no chuveiro, na manhã do dia 22 de abril. As duas colocaram o feto num saco, colocaram-no numa caixa e conduziram-no para uma vila longe da área de residência, onde enterraram o saco com a ajuda de um homem (que também foi acusado). O processo citado pela Associated Press conta que o homem disse aos investigadores que as mulheres queimaram o saco.

O que motivou as autoridades a ir atrás das mensagens privadas terá sido uma interação com um detetive. Questionada sobre a data em que o nado-morto aconteceu, a jovem utilizou a aplicação para confirmar a data - e logo a seguir, as autoridades pediram um mandato para recolher as mensagens, que o tribunal concedeu e o Facebook respeitou.

Depois disso, a mãe confessou ter comprado comprimidos para provocar um aborto, mas não admitiu queimar o feto.

Um retrocesso inesperado

Com a reversão do 'Roe v. Wade', o aborto passou a ser proibido no Nebraska a partir das 20 semanas. O estado, tradicionalmente conservador e liderado por republicanos, procurou criar uma 'lei gatilho' (uma lei que seria aplicável imediatamente após a reversão do processo, uma decisão tomada por muitos estados conservadores), mas não conseguiu que a decisão passasse nas câmaras estatais.

A reversão do 'Roe v. Wade' é considerado, pelos democratas, como um dos mais duros golpes aos direitos das mulheres norte-americanas em quase 50 anos. Em cerca de metade dos estados, onde a liderança é republicana e conservadora, como o Texas ou o Oklahoma, foram sendo aprovadas leis e medidas que proíbem quase completamente a interrupção voluntária da gravidez - o estado do Indiana tornou-se no primeiro a proibir todos os abortos, tirando em casos de violação ou de risco de vida para a mãe.

De notar que a decisão não torna o aborto ilegal: 'apenas' deixa de o considerar um direito constitucional, o que permite que os estados conservadores o possam proibir.

A divulgação do rascunho, em maio, foi acolhida com surpresa pelo eleitorado norte-americano e pela comunidade internacional, que acusou os Estados Unidos de retrocederem civilizacionalmente numa questão praticamente encerrada para o público. Várias sondagens demonstraram que uma larga maioria da população é a favor do aborto, e sete em cada dez norte-americanos acredita que a decisão de abortar é unicamente da mulher.

A decisão do Supremo, em junho, é também um espelho dos problemas de representatividade dos Estados Unidos da América. O cargo de juiz é quase vitalício, e os juízes são nomeados pelos presidentes norte-americanos em funções. Donald Trump teve a oportunidade de nomear três juízes, devido à reforma ou à morte de juízes em funções - o caso mais famoso foi o de Ruth Bader Ginsburg.

Ginsburg, um símbolo da luta feminista norte-americana, morreu pouco antes de Trump ter perdido as eleições em 2020, e o então presidente nomeou imediatamente a ultraconservadora Amy Coney Barrett - contra as intenções de Ruth Bader Ginsburg de ser sucedida apenas depois de um novo presidente tomar posse. Os republicanos permitiram a nomeação em tempo recorde, semanas antes das eleições em que Joe Biden venceu, apesar de no mandato de Barack Obama terem bloqueado a nomeação do juiz Merrick Garland por alegaram que não deviam ser permitidas nomeações em ano de eleições.

Leia Também: Departamento de Justiça pede suspensão da lei que proíbe aborto em Idaho

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