A 27 de fevereiro, o chanceler Olaf Scholz anunciava uma "nova era" na defesa, o que, para muitos analistas, parecia uma revisão completa da política externa alemã. Meio ano depois, não são visíveis mudanças radicais, mas é expectável o início de um processo sustentado e coerente.
"Não há razão para esperar que a Alemanha abandone a sua cultura de contenção e regresse ao aventureirismo militar. Pelo contrário, a agenda de 'nova era' (Zeitenwende) tem a ver com a legitimação do papel das forças armadas alemãs como um instrumento no conjunto de ferramentas da política externa alemã", revelou Rafael Loss, coordenador Europeu de Projetos de Dados do Conselho Europeu para as Relações Externas (ECFR).
À agência Lusa, Loss admitiu que, durante os últimos trinta anos, os alemães e os seus líderes acreditaram que o uso em larga escala da força militar era "uma coisa do passado", algo que "nunca foi realmente verdade".
"A invasão russa da Ucrânia, apoiada por extensas ameaças nucleares, obrigou agora a Alemanha a contar com este facto e a tirar conclusões sobre a forma como o maior país da Europa pretende contribuir para a segurança e defesa europeias", acrescentou.
A invasão russa -- justificada pelo Presidente russo, Vladimir Putin, com a necessidade de "desnazificar" e desmilitarizar a Ucrânia para segurança da Rússia - foi condenada pela generalidade da comunidade internacional, que está a responder com envio de armamento para a Ucrânia e imposição à Rússia de sanções que atingem praticamente todos os setores, da banca à energia e ao desporto.
A ofensiva militar lançada a 24 de fevereiro pela Rússia na Ucrânia causou já a fuga de mais de 12 milhões de pessoas de suas casas -- mais de seis milhões de deslocados internos e mais de seis milhões para os países vizinhos -, de acordo com os mais recentes dados da ONU, que classifica esta crise de refugiados como a pior na Europa desde a Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
Numa sessão extraordinária no Parlamento alemão para avaliar a situação na Ucrânia, três dias depois do país ter sido invadido pela Rússia, o chanceler Olaf Scholz anunciou uma verba de 100 mil milhões de euros para as forças armadas e que o investimento anual em Defesa seria aumentado para mais de 2% do produto interno bruto (PIB).
"Mas seria um erro ver o discurso de fevereiro do chanceler como a solução para os males da Alemanha - em vez disso, deveria ser um ponto de partida para um repensar mais profundo da política de defesa alemã", sustentou Rafael Loss.
Um estudo recente, encomendado pelo jornal digital "t-online", revela que 67% dos alemães estão de acordo com o fundo especial de 100 mil milhões atribuído à "Bundeswehr". Apenas 23% discordam do acordo recentemente conseguido entre a coligação que forma o governo e a União Democrata Cristã (CDU) para que este valor seja atribuído.
Apesar do Partido Social Democrata (SPD) continuar a baixar nas sondagens (se as eleições fossem hoje, o partido de Olaf Scholz conseguiria apenas 18% dos votos, frente aos 25,7% conquistados nas últimas eleições), os alemães continuam também a apoiar a decisão do governo de enviar ajuda militar à Ucrânia. Também prova disso é o facto de Annalena Baerbock, ministra dos Negócios Estrangeiros, registar uma taxa positiva de aprovação pública.
"Os alemães apoiam amplamente a política definida pelo seu governo e pelos restantes países apoiantes ocidentais da Ucrânia. Isto é, apoiar os ucranianos na sua autodefesa contra a agressão russa através de transferências de armas e outro apoio militar, económico e humanitário, evitando ao mesmo tempo entrar numa luta direta com os russos", sublinhou o especialista do ECFR.
Rafael Loss acredita mesmo que os alemães estariam dispostos a apoiar uma abordagem "muito mais proativa" para derrotar a Rússia na Ucrânia e para ter a Alemanha a desempenhar um papel "mais importante na defesa coletiva da Europa".
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