Relatório sobre abusos em Xinjiang é reconhecimento para sobreviventes

Uigures sobreviventes dos campos de reeducação na região chinesa de Xinjiang sentiram alívio e reconhecimento após a divulgação do relatório da ONU, que relata possíveis "crimes contra a humanidade" e "provas críveis" de tortura e violência sexual.

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© JUSTIN TALLIS/AFP via Getty Images

Lusa
01/09/2022 19:32 ‧ 01/09/2022 por Lusa

Mundo

China

Zumret Dawut ficou em lágrimas depois de ouvir que as Nações Unidas tinham declarado, esta quarta-feira, que a repressão da China na região de Xinjiang, no extremo oeste, pode constituir crimes contra a humanidade.

O seu pensamento foi logo para os companheiros de cela no campo enquanto esteve detida e para o seu pai, que morreu sob custódia da polícia de Xinjiang, sentindo reconhecimento.

"Senti que havia justiça, que há pessoas que se importam neste mundo", salientou hoje à agência Associated Press (AP).

Para Dawut e outros sobreviventes destes campos, agora fora da China, o relatório da ONU sobre detenções em massa e sobre outros abusos de direitos contra uigures e outros grupos étnicos majoritariamente muçulmanos em Xinjiang foi o culminar de anos de luta jurídica e um reconhecimento dos abusos que dizem ter enfrentado no mãos do Estado chinês.

A Alta Comissária da ONU para os Direitos Humanos (ACNUDH), Michelle Bachelet, conseguiu manter a promessa de publicar o relatório sobre a região chinesa de Xinjinag antes de deixar hoje o seu cargo, após quatro anos à frente do organismo das Nações Unidas.

O documento, que não parece conter revelações importantes em relação ao que já se sabia sobre a situação em Xinjiang, traz o selo da ONU às acusações feitas há muito tempo contra as autoridades chinesas por parte de investigadores, ativistas ou 'medias'.

O significado deste relatório, para os sobreviventes, é o peso e a autoridade que as Nações Unidas têm. Embora vários Estados, como os EUA, França ou Reino Unido tenham criticado a repressão, Pequim defendeu-se sempre que estes eram ataques políticos de países ocidentais.

"Desta vez, a China não pode evitar esta acusação. As Nações Unidas são uma organização neutra, a mais alta organização. ... É uma mancha no Partido Comunista", sublinhou Tahir Imim, editor uigur no exílio com dezenas de parentes na prisão.

A China acusou hoje o ACNUDH de agir como "acólito e cúmplice" dos Estados Unidos e do Ocidente ao publicar o relatório sobre a situação em Xinjiang.

"O ACNUDH criou o relatório a partir do nada, apoiando-se na conspiração política de algumas forças antichinesas no estrangeiro", disse o porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros Wang Wenbin, citado pela agência francesa AFP.

Pequim passou anos a tentar controlar a narrativa, difamando as pessoas que falaram contra a repressão, enquanto organizava excursões e visitas de imprensa para promover a sua posição, rejeitando sempre este alegado plano de "genocídio cultural" de minorias muçulmanas na China, alegando que estas instalações são centros de formação profissional, destinadas a ajudar a população a encontrar trabalho e a mantê-la afastada do extremismo e do terrorismo.

Neste documento, a ONU pediu à comunidade internacional que atue com urgência diante das acusações de tortura e violência sexual na região chinesa de Xinjiang que a organização considera "credíveis".

O foco do relatório está nas detenções em massa. Sem confirmar as estimativas de que um milhão ou mais de pessoas foram detidas em campos em Xinjiang, realça que é "razoável concluir que ocorreu um padrão de detenção arbitrária em larga escala" pelo menos entre 2017 e 2019.

Os uigures, que são maioritariamente muçulmanos e falam na sua grande maioria uma língua relacionada com o turco, são um dos 56 grupos étnicos que existem no território chinês. Esta etnia representa um pouco menos de metade dos 25 milhões de pessoas que vivem na região de Xinjiang.

Muitos sobreviventes enfrentaram anos de ameaças da polícia chinesa na tentativa de silenciá-los.

Dawut fez a sua escolha numa fatídica sexta-feira em Nova Iorque, há três anos, quando se deslocou às Nações Unidas para partilhar a sua história pela primeira vez. Nesse dia, recebeu uma chamada do irmão, a contar que o pai tinha sido perseguido pela polícia e pedindo para que ficasse em silêncio.

"Mas pensei em tantos pais e mães no acampamento, como eu precisava de falar por eles. Pensei, não vou mudar de ideia", contou, garantindo agora que não sente arrependimento.

Leia Também: Guterres pede que Pequim siga recomendações de relatório sobre uigures

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