E o autor de "Dinheiro Sujo", segundo livro do investidor e empresário nascido nos Estados Unidos mas naturalizado britânico, editado pela Penguin Random House, ainda mais convencido ficou da continuidade do caminho de Ieltsin quando Putin prometeu dar seguimento à democracia e liberdade de expressão.
No entanto, Bill Browder, segundo admitiu numa entrevista à agência Lusa em Lisboa, onde está a lançar "Dinheiro Sujo", já tinha percebido que Ieltsin, apesar dos ventos democráticos, revelava igualmente um lado menos positivo.
"Nunca conheci Putin nem nunca falei com ele. No início da sua Presidência (em 2000) eu era um apoiante. Sucedeu a [Boris] Ieltsin, que tinha algumas qualidades. Acreditava na democracia e na liberdade de expressão, mas tinha uma péssima qualidade: permitiu a 22 oligarcas roubarem 40% do dinheiro ao Estado e todos os outros viviam numa extrema pobreza. No princípio, Putin deu a entender que iria pôr fim aos oligarcas e trazer alguma normalidade ao país. Eu e muita gente saudamos essa intenção de destruir os oligarcas", mas a esperança pouco durou, disse Browder à Lusa.
Browder, que até 2005 foi um dos maiores investidores estrangeiros na Rússia, na área petrolífera através da Hermitage Capital Management, de que é fundador e diretor executivo, acabaria por cair em desgraça e tudo se precipitou de vez depois de, em 2009, o advogado russo associado à empresa, Sergei Magnitsky, ter sido espancado até à morte numa prisão de Moscovo depois de ter exposto um esquema de fraude fiscal praticado pelo Governo russo.
Segundo o autor, de 58 anos, o Presidente russo "tornou-se o maior dos oligarcas" e, por essa razão, lê-se no subtítulo do livro que Browder tornou-se "O inimigo n.º 1 de Vladimir Putin", pois conta na obra, de 367 páginas, "uma história real sobre corrupção, branqueamento de capitais e homicídio na Rússia de Putin".
"Há uma expressão: 'o poder corrompe, mas o poder absoluto corrompe absolutamente', e Putin é o exemplo disso. À medida que ficava mais rico e com mais poder, Putin tornou-se o pior dos piores e agora mata pessoas em todo o mundo. Muita gente considera-o um Presidente legítimo, mas, da minha experiência, Putin é um chefe da máfia e é importante que todos percebam isso", acusou.
"Tínhamos um advogado que, após a morte de Sergei [Magnitsky], trabalhava na nossa equipa e que pretendia levar os assassínios à justiça. Foi atirado de um quinto andar. Temos um ativista político, Vladimir Kara-Murza, que tentou ajudar a obter justiça no quadro da Lei Magnitsky, que foi envenenado com Novichok [substância neurotóxica que foi utilizada também com o opositor russo Alexei Navalny], em Moscovo. Também tenho sido alvo de perseguições em várias partes do mundo para me levarem para Moscovo para que me pudessem fazer coisas ainda piores numa prisão russa", denunciou.
Na entrevista à Lusa, Browder salientou que o seu segundo livro não estava nas suas previsões.
"O meu primeiro livro, 'Alerta Vermelho', lançado em 2015, era sobre a minha estada em Moscovo e o assassínio do meu advogado, Sergei Magnitsky, e a minha procura para que fosse feita justiça através da chamada Lei Magnitsky [aprovada em 2012 nos Estados Unidos e que impõe interdições de vistos e congela os ativos de cidadãos que violem os direitos humanos]", que já vigora em outros 32 países, disse.
"Pensei que fosse o fim da minha história, mas tudo se tornou cada vez mais dramático por causa da minha conflitualidade com o que se seguiu à [aprovação da] Lei Magnitsky. Houve mais pessoas assassinadas, o Governo russo tentou atacar-me, houve interferência política nas eleições dos Estados Unidos em ligação com a Lei Magnitsky e havia tanto material que eu tinha de contar a história para que o mundo perceba quem é realmente Putin", acrescentou.
Browder relatou ter sido preso em Madrid em 2018, após um mandado da Interpol, mas acabou por ser libertado pouco depois, após ter publicado na rede social Twitter que estava preso, "o que provocou um escândalo público" que a polícia espanhola e europeia "só então se aperceberam da confusão em que se tinham metido".
Recuando no tempo, e questionado pela Lusa sobre como e quando se apercebeu de que Putin não era aquilo em que inicialmente acreditou, Browder lembrou que, em 2003, o Presidente russo mandou prender o primeiro grande oligarca, Mikhail Khodorkovsky, proprietário da petrolífera Yukos.
"Foi preso, foi julgado, [Putin] ficou com a companhia petrolífera e pô-lo 10 anos na prisão. A minha primeira reação pública foi: um apanhado, faltam outros 21. Putin tinha mandado abaixo um oligarca, faltava mandar abaixo outros 21", disse.
"Mas Putin não prendeu o oligarca seguinte, Roman Abramovitch. Pagou-lhe 13 mil milhões de dólares pela petrolífera, a Sibneft, e nomeou-o governador de uma região na Sibéria, onde não pagava quaisquer impostos e podia utilizar os seus 13 mil milhões de dólares sem impostos", prosseguiu.
E, segundo recordou, foi nessa altura que teve a consciência que algo estava errado e que o fim dos oligarcas não era um dado adquirido sob a liderança de Putin.
"O primeiro oligarca é preso e mantido na prisão. Ao segundo oligarca dá-lhe 13 mil milhões de dólares pela compra da petrolífera e dá-lhe um cargo público de alto funcionário. Alguma coisa está mal. Nesta altura estava confuso mas ficou claro para mim que Putin entrara num lado obscuro, o que o levou a expulsar-me da Rússia em 2005 porque eu estava a investigar as empresas que ele detinha", concluiu.
Há mais de dez anos que Bill Browder lidera uma campanha global para denunciar a corrupção e os abusos dos direitos humanos na Rússia.
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