Quando foi libertado, Mykhailo Dianov, de 42 anos, estava irreconhecível. A fotografia do soldado ucraniano correu o mundo, evidenciando as consequências de quatro meses em cativeiro às mãos da Rússia. Em entrevista à Sky News, aquele que foi um dos últimos soldados a defender Mariupol, na siderúrgica de Azovstal, recordou a detenção, pautada por tortura e por condições desumanas.
“Em Azovstal, pensávamos que era o fim”, começou por revelar Dianov, descrito pela jornalista Sally Lockwood como tendo um rosto envelhecido, e roupas que lhe caíam do corpo.
O soldado ucraniano foi capturado enquanto defendia Mariupol, tendo sido libertado entre 215 prisioneiros, a 21 de setembro. Em troca, Moscovo recebeu 55 russos e o ex-deputado ucraniano Viktor Medvedchuk, considerado próximo do presidente russo, Vladimir Putin, acusado de alta traição por Kyiv.
“Acreditem em mim; depois de um mês de fome, quando fechamos os olhos, esquecemo-nos da nossa família, do nosso país, tudo. A única coisa em que pensamos é comida”, confessou.
Na verdade, Dianov perdeu 40 quilos durante a sua estadia na prisão de Olenivka, em Donetsk. Para o ucraniano, o local assemelha-se a um campo de concentração nazi, onde os prisioneiros de guerra eram deixados à fome e torturados.
Left: Ukrainian marine Mykhailo Dianov inside the Azovstal steel plant during the siege of Mariupol in May.
— The Kyiv Independent (@KyivIndependent) September 23, 2022
Right: Dianov in a Kyiv hospital after his release from Russian captivity in late September.
Olena Lavrushko/Dmytro 'Orest' Kozatskyi pic.twitter.com/C681jJPOxj
“Era impossível comer. Tínhamos 30 segundos para cada refeição. Em 30 segundos, tínhamos de comer tudo o que pudéssemos. O pão era deliberadamente duro. Quem não tivesse dentes não conseguia comer a tempo”, recordou, acrescentando que, após 30 segundos, “tínhamos de parar”.
“Tínhamos de nos levantar logo e correr. Era assim a toda a hora. Trataram-nos como animais”, complementou.
Quem se atrevesse a apanhar uma baga do chão arriscava-se a ser torturado e colocado em solitária, segundo o defensor de Mariupol. Seria também espancado com paus, e alvo de choques elétricos e de agulhas nas unhas.
Ainda que as celas tivessem capacidade para 150 pessoas, o soldado viu-se encarcerado com 800 prisioneiros. Como consequência, os músculos das suas pernas ficaram desgastados, e andar é um desafio.
Conforme adiantou Olena Lavrushko, irmã de Dianov, ao jornal ucraniano Pravda, o irmão ficou ferido em Mariupol e não recebeu cuidados médicos enquanto estava em cativeiro. No momento do ataque que vitimou 50 prisioneiros de Olenivka, em julho, Dianov estava noutro local, a receber tratamento – uma operação “imprudente”, realizada com um alicate, e sem anestesia. Agora, o soldado foi levado para um hospital militar, mas precisa de ganhar 20 quilos antes que os médicos o possam operar.
No entanto, o momento pelo qual os prisioneiros esperavam acabaria por chegar.
“Fomos completamente despidos. Tiraram os nossos gessos, tudo. Revistaram-nos. Estivemos de estar agachados durante cinco horas. Sem banco, é claro. Simplesmente esperámos. Não sabíamos o que nos ia acontecer”, detalhou.
Questionado sobre o arranhão que carrega no nariz, Dianov foi taxativo: “Fita adesiva.”
“Enrolaram fita adesiva à volta da minha cabeça e empurraram as minhas pernas contra o meu estômago. Passei um dia, um dia e meio assim”, contou.
O soldado viajou durante 36 horas nestas condições, sem saber qual o seu destino. Foi apenas quando lhe removeram a fita adesiva que percebeu que estava de volta à Ucrânia.
“Toda a gente está traumatizada. Considero-me uma pessoa forte mentalmente, mas muitas coisas perderam o seu valor”, rematou.
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