O pensamento é do congressista democrata norte-americano Adam Smith, que, numa entrevista à agência Lusa, em Lisboa, afirmou que os Estados Unidos não estão contra a Rússia, nem contra o Presidente russo, Vladimir Putin, a quem o Ocidente tem de demonstrar que as ambições militares russas na Ucrânia são "fúteis".
"[Putin] quer mais poder para a Rússia e está a perseguir essa ideia de formas variadas: tem tentado minar a democracia nos Estados Unidos, na Europa, semeando a discórdia com campanhas de desinformação. Mas o que quer verdadeiramente é reconstruir o mais possível o império que a Rússia já teve e pensou que poderia fazer isso começando na Ucrânia", afirmou Smith.
Para o mais novo senador de sempre nos Estados Unidos - foi eleito aos 25 anos por Washington DC e empossado em janeiro de 1991 - as ameaças nucleares de Putin já tiveram uma reação de desagrado de Pequim, que deixou a Rússia "ainda mais isolada", garantindo que se a China assim o entendesse, "poderia acabar amanhã com a guerra na Ucrânia".
"Se decidirem cortar o caminho à Rússia, tal como nós [Ocidente], a Rússia teria de recuar. E quanto mais a China pensar que isto representa um problema para ela, que o modelo Rússia/China não está a funcionar, então a China ficará nervosa", afirmou.
"A China não está satisfeita com a decisão russa de se manter na Ucrânia, e também não está satisfeita com a forma como a guerra está a decorrer, porque faz com que as autocracias, como as de Putin e de Xi [Jinping, Presidente chinês], pareçam más", argumentou.
Sublinhando as evidências da existência das contraofensivas ucranianas, postas em causa por eventual desinformação, Adam Smith sustentou que a mobilização de reservistas russos "tem sido um desastre, tal como as ameaças militares", admitindo que a Rússia, ao longo dos anos, construiu um grande arsenal e que grande parte desse armamento está no terreno na Ucrânia.
"Não há dúvidas quando a isso. Até têm um número muito razoável de soldados na Ucrânia. Não é o maior exército do mundo, de certeza, mas [os militares russos] têm muito pouca instrução militar. Mais a mais, a logística não está a funcionar bem", enfatizou.
Para agravar a situação, prosseguiu, Putin quer mais 300.000 soldados no terreno, mas, insistiu Smith, "não estão treinados e não querem ir para a frente de combate. "Não se pode fazer a guerra com números. Tem sido um desastre e o povo russo já está dividido".
"Os russos estão a abandonar a Rússia, a fugir à mobilização num número recorde, há protestos nas ruas e há pessoas em redor de Putin que estão a virar-se uns contra os outros, a tentar perceber de quem é a culpa de tudo isto. Está tudo a ser um desastre e isso continua a ser muito perigoso porque o exército russo tem muitos soldados e muitas armas. Também é preocupante saber o que Putin irá fazer", explicou.
Instado pela Lusa sobre se alguns membros do "staff" russo em torno de Putin possam ter a ideia de afastar o Presidente russo do poder, o congressista norte-americano foi irónico.
"Não. Não vou fazer previsões sobre se alguém ou quem irá cair de um edifício apesar de, ultimamente, parecer tratar-se de uma epidemia na Rússia. Esse não é o nosso foco e quero deixar 100% claro: a Rússia pode determinar quem quer deixar a Rússia. Essa é uma escolha deles", concluiu.
No entanto, a mensagem que o Ocidente (Estados Unidos e aliados) tem enviado é "clara": "Não estamos a ameaçar nem Putin nem a Rússia".
"A Rússia é um Estado soberano, com fronteiras bem delineadas e podem governar o país da forma que quiserem que não vamos interferir nisso. Mas não iremos permitir que, através da força, conquistem a soberania de outros países, neste caso a Ucrânia. É uma clara violação à lei internacional e uma clara ameaça à estabilidade em todo o mundo", adiantou.
"Putin tem de ser parado, porque ele quer conquistar toda a Ucrânia e tem de ser convencido de que tal não é possível. E é por isso que a contraofensiva ucraniana é crucial, e que se mantenha a coesão da NATO. Se Putin perceber que não pode conquistar toda a Ucrânia não tem outra alternativa do que alterar os objetivos, regressar à mesa de negociações e encontrar uma solução negociada. E é aí que nós queremos chegar. Mas temos primeiro de parar Putin para que possa vir sentar-se à mesa das negociações", sustentou Smith.
Questionado pela Lusa sobre se a Ucrânia alguma vez irá aderir à NATO, Smith manteve a dúvida no ar, uma vez que "o que se pretende primeiro é encontrar soluções pacíficas, à medida que procuremos o fim da guerra".
"Não sei se a Ucrânia alguma vez irá aderir à NATO. Mas a NATO está extraordinariamente unida. Estou no Congresso há 26 anos, servi no comité militar outros 26, trabalhei com a NATO numa série de temas e questões e sei que é difícil que 30 países encontrem uma maneira de se darem bem e tomarem decisões em conjunto. Mas nunca vi a NATO tão unida como está agora", assegurou.
"Putin pode ter pensado que a NATO sairia enfraquecida. Que poderia atacar a Ucrânia e enfraquecer o apoio dos aliados. Aconteceu precisamente o contrário e estamos a ter a adesão de mais países, como da Finlândia e Suécia", sustentou.
Adam Smith esteve em Lisboa à frente de uma delegação bipartidária de congressistas norte-americanos, que visitou Espanha, Croácia e Grécia para se reunir com altos funcionários governamentais e militares, com o objetivo foi discutir questões ligadas à segurança europeia e transatlântica no contexto da invasão russa da Ucrânia.
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