Prestes a assinalar o Dia Internacional dos Direitos Humanos, no sábado, Pedro Neto expôs, em declarações à agência Lusa, quais são as questões que considera que serão as suas maiores inquietações no próximo ano.
"Preocupa-me muito a questão da liberdade, do direito à manifestação, do direito das pessoas dizerem aquilo que pensam, de se manifestarem pacificamente", afirmou, acrescentando que "a liberdade de pensamento e o jornalismo de qualidade, o jornalismo de investigação, que incomoda e que serve como quarto poder, estão hoje em dia em risco".
O problema arrasta-se a nível global e "é cíclico", adianta o responsável em Portugal pela organização não-governamental (ONG) Amnistia Internacional.
"Há muitos países onde os jornalistas e os defensores dos direitos humanos ou os ativistas pelo clima estão a ser muito reprimidos e silenciados", referiu, lembrando o caso do Irão.
"O que se está a passar por causa da morte da jovem Mahsa Amini, da polícia dos costumes e da questão do 'hijab' [véu islâmico] mal posto" é, segundo apontou Pedro Neto, um exemplo da repressão e intimidação que constituem um atentado aos direitos humanos.
O Irão está a ser palco de uma onda de protestos -- sem precedentes desde a Revolução Islâmica de 1979 -- desde 16 de setembro, quando a jovem curda iraniana morreu no hospital, depois de ter estado detida pela chamada polícia dos costumes ou da moralidade, uma unidade responsável por verificar o cumprimento do rígido código de vestuário feminino do país.
Após três meses de contestação nas ruas iranianas, fortemente e violentamente reprimida pelas autoridades, surgiu recentemente o anúncio da extinção da chamada polícia da moralidade, mas os sinais dados por Teerão têm sido muito dúbios e, na quinta-feira, o Irão executou, pela primeira vez desde o início dos recentes protestos, um homem que se manifestou contra o regime.
"A utilização da pena de morte como ferramenta para silenciar estas pessoas, para ameaçar e intimidar, é um assunto que me preocupa muito", admitiu Pedro Neto.
Uma outra questão que estará sob vigilância permanente da organização em 2023 é "os direitos económicos, numa altura de inflação tão grande", sublinhou o diretor executivo da Amnistia Internacional Portugal.
"Numa altura em que conseguimos prever que poderá haver mais fome no próximo ano, a questão dos direitos económicos, de as pessoas não terem mínimos para viverem, de não terem acesso à alimentação e água" é, frisou o representante, um receio que tem aumentado com o agravamento de taxas de juro e inflação.
A falta de acesso aos bens essenciais para as pessoas conseguirem viver está a aumentar "um pouco por todo o mundo e também em Portugal", salientou Pedro Neto.
"À nossa escala, há desafios que em 2023 podem ser muito grandes. É preciso estar atento, não só para fazer um trabalho de assistência a situações de urgência, mas também à formulação de políticas públicas que possam ajudar as pessoas a reerguerem-se de novo e a tomarem conta da sua vida e lutarem por ela", apontou o responsável, defendendo ser essencial criar "essas políticas públicas para poder resistir à fase difícil que aí pode vir".
Por outro lado, referiu, há países onde a violação dos direitos humanos é uma situação persistente e, por isso, estão sempre entre as preocupações da organização.
Embora considere poder ser injusto apontar especificamente os piores Estados nesta matéria porque "quem sofre de abusos de direitos humanos, sofre de forma absoluta", Pedro Neto admite que há países para onde é impossível não olhar com preocupação.
"Temos, claro, de olhar para a Ucrânia, que é vítima de uma agressão bélica por parte da Federação Russa e onde, por causa da guerra, os abusos de direitos humanos e das pessoas civis é atroz", afirmou, destacando o caso particular das crianças, das mulheres e dos idosos.
"São os que ficaram, os que não quiseram ou não puderam fugir", mas "as suas casas estão destruídas e este inverno vão viver de uma forma absolutamente inenarrável, com falta de alimentação, de aquecimento, de abrigo, de tudo", lamentou.
Segundo o diretor executivo daquela que é uma das maiores ONG humanitárias do mundo, tal como a Ucrânia, todos os países que vivem conflitos são particularmente suscetíveis à violação de direitos humanos.
"Onde há guerras, há uma série de direitos humanos que são violados", afirmou, apontando casos como a Eritreia e a Etiópia, mas também o Iémen, "um conflito que dura há tantos anos que a escassez de alimentos e de água já é o normal".
Depois "temos que falar também em Myanmar [antiga Birmânia], temos que falar na China, temos que falar na própria Rússia, onde dissidentes e defensores de direitos humanos sofrem tantos abusos de direitos humanos, temos que falar na Venezuela e na Síria", enumerou.
Mas, de acordo com Pedro Neto, os exemplos preocupantes não ficam por aqui.
"Temos que falar em São Tomé e Príncipe, que é um território que está neste momento com alguma convulsão, temos que falar também em Moçambique em que a questão de Cabo Delgado continua por resolver, temos que falar em muitas realidades que sofreram nos últimos anos e onde a pandemia [de covid-19] piorou as condições", prosseguiu.
Pedro Neto deixa ainda um alerta sobre a necessidade de ter um olhar "com muita atenção" para "a realidade concreta" em Portugal.
"Claro que não seremos um país que esteja no topo dos que mais ofendem direitos humanos", mas "há trabalhadores migrantes, refugiados que não são bem integrados, pessoas sem-abrigo e com esta questão da inflação e da pandemia, quem era pobre ficou ainda mais pobre", realçou.
E concluiu: "Há muita gente que está em risco de perder a casa durante o próximo ano. Há mais de 36.000 famílias que não têm uma casa condigna neste momento em Portugal. Portanto, a habitação, a discriminação multisetorial e interseccional, a discriminação das mulheres, a discriminação por género e por origem étnica" são prioridades para a organização.
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