O levantamento das medidas restritivas que marcaram a política de 'Covid zero' da China está a coincidir com um enorme aumento dos casos de Covid-19 no país e, na semana passada, as autoridades de saúde sugeriram que possam ser registados 800 milhões de casos em apenas três meses - o que implicaria a infeção de 10% da população mundial.
Segundo a rádio pública norte-americana NPR, o vice-diretor da direção-geral de saúde chinesa, Xiaofeng Liang, disse a um especialista da universidade de Yale que "a primeira vaga pode, de facto, infetar cerca de 60% da população".
Outro especialista entrevistado pela NPR, o epidemiologista Benjamin Cowling, confirmou a previsão, admitindo que esta vaga é "muito rápida". "Em Pequim e em outras grandes cidades, já há imensos casos porque está a espalhar-se muito depressa", explicou.
Relativamente ao índice de transmissibilidade, ou R(t), enquanto que em Portugal esse valor está abaixo de 1, Ben Cowling disse que as autoridades chinesas estimam um R(t) de 16. "Isto é um nível muito elevado. É por isso que a China não consegue manter a sua política de 'Covid zero'. O vírus é demasiado transmissível até para eles", afirmou.
Assim, Xi Chen, especialista da universidade de Yale e investigador sobre o sistema de saúde chinês, prevê que a Covid-19 possa matar pelo menos 500.000 pessoas, com alguns modelos a chegarem ao milhão de mortos. A diferença está na forma como o sistema de saúde consegue aguentar o rápido surgimento de casos mais graves.
Apesar de, inicialmente, as medidas de restrição terem prevenido um número muito grande casos comparativamente com o resto do mundo, a verdade é que o governo desincentivou à vacinação e manteve uma polícia de implementação de confinamentos ao mais pequeno surto. Em 2022, enquanto a grande maioria do globo já tinha levantado as medidas graças a taxas de vacinação altas, a China continuou a forçar dezenas de milhões de pessoas a fecharem-se em casa perante o surgimento de qualquer caso.
Agora, depois de os maiores protestos contra o regime dos últimos anos, o regime acabou por ceder e decidiu levantar as imposições, mas fê-lo sem preparar os serviços de saúde e sem incentivar à vacinação contra a Covid-19.
Além disso, segundo explica a NPR, os confinamentos sucessivos de cidades com milhões de pessoas levou a que a grande maioria da população nunca tenha estado infetada e, por isso, tenha desenvolvido pouca imunidade contra as várias variantes, especialmente contra a Ómicron.
Quanto à vacinação, cerca de 90% da população com mais de 18 anos tem mais de duas doses, mas os adultos com mais de 60 anos precisam de três doses para se protegerem contra doença grave e, destes, apenas 50% das pessoas mais velhas o fez.
Isto implica que, acrescenta a NPR, há cerca de 11 milhões de pessoas que correm risco de serem internadas por doença grave e de morte. E, segundo Xi Chen, "há uma grande disparidade geográfica geográfica no que diz respeito a infraestruturas de saúde, camas de cuidados intensivos e profissionais de saúde", pelo que "a maioria dos hospitais com tecnologias de tratamento avançadas estão localizadas em Pequim, Xangai, Guangzhou e nas grandes áreas metropolitanas".
"Eu não acredito bem na nova estimativa de dez camas de cuidados intensivos por 100 mil habitantes porque este novo número inclui algo que eles chamam de 'convertível'. Estas são camas usadas para outros tratamentos, como para quimioterapia e diálise, que estão a usar nos cuidados intensivos", explicou ainda.
A Comissão Nacional de Saúde chinesa registou, esta segunda-feira, as primeiras mortes por Covid-19 em várias semanas, mas a proliferação nas redes sociais de relatos de morgues e hospitais sobrelotados tem deixado a população cética sobre os dados oficiais.
Segundo os dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), a China registou pouco mais de 10 milhões de casos desde o início da pandemia, com cerca de 21 mil registados nas últimas 24 horas. Morreram pelo menos 31 mil pessoas devido à Covid-19.
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