"Nós, organizações civis envolvidas em atividades de busca e salvamento no Mediterrâneo central, expressamos a nossa mais profunda preocupação pela tentativa de um Governo europeu de impedir a assistência a pessoas em perigo no mar", afirmaram as organizações não-governamentais (ONG) envolvidas nos resgates de migrantes na zona, num comunicado conjunto, hoje divulgado.
"O novo decreto-lei promulgado pelo Presidente italiano em 02 de janeiro vai reduzir as nossas capacidades de resgate marítimo e tornará o Mediterrâneo central, que já é uma das rotas migratórias mais mortais do mundo, ainda mais perigoso", referem.
Vários navios de resgate de migrantes estão atualmente no Mediterrâneo a preparar resgates, como é o caso do 'Geo Barents', administrado pela Médicos Sem Fronteiras, o primeiro navio que salvou pessoas no mar depois da aprovação das novas regras.
O navio resgatou 85 migrantes em duas operações realizadas já esta semana, escapando às multas em Itália apenas porque o decreto ainda não tinha entrado em vigor.
A Suécia, que assumiu a presidência rotativa semestral do Conselho da União Europeia (UE) no início de 2023, rejeitou o pedido italiano para que aliviasse a responsabilidade de Roma de acolher mais migrantes, indicando que não haverá nenhum acordo de redistribuição de migrantes este ano.
O Governo italiano, formado por uma coligação de direita e extrema-direita, alega que o novo decreto visa impedir que os navios de resgate sejam um fator de atração para os traficantes de migrantes, garantindo que os barcos das organizações humanitárias funcionam como 'ferry-boats' destas máfias.
O decreto estabelece ainda que os requerentes de asilo devem apresentar os seus pedidos ao país que tiver bandeira hasteada no navio de resgate.
Uma regra que Itália tem defendido, apesar de o Direito Internacional determinar que o resgate de pessoas em dificuldades no mar deve ser feito o mais rapidamente possível por qualquer navio e que deve ser o Estado mais perto do ponto de resgate a acolher as pessoas.
Para o Governo italiano, no entanto, isto significa uma saturação dos campos de acolhimento do país, pelo que os países do norte da Europa -- normalmente os de bandeira dos navios humanitários -- devem ficar com a responsabilidade sobre as pessoas que resgatam.
Uma porta-voz da Comissão Europeia escusou-se hoje a comentar as leis nacionais adotadas pelos Estados-membros, mas sublinhou que a legislação deve sempre respeitar as leis internacionais sobre resgate de vidas no mar.
"Não cabe à União Europeia olhar especificamente para o conteúdo deste decreto. Independentemente do que a Itália esteja a fazer por meio de um decreto, os Estados-membros devem respeitar o Direito Internacional e o direito do mar", sublinhou Anitta Hipper, na conferência de imprensa diária em Bruxelas.
"Salvar vidas no mar é uma obrigação moral e legal", lembrou.
A nova política aprovada pelo Governo liderado por Giorgia Meloni prevê a aplicação de um regime de sanções administrativas, em substituição das penais, às ONG que resgatem, sem autorização, migrantes do mar para os desembarcar no país, além de permitir proceder à "detenção administrativa do navio e, em caso de reincidência da conduta proibida, ao seu confisco".
Itália é abrangida pela chamada rota do Mediterrâneo central, uma das rotas migratórias mais mortais, que sai da Líbia, Argélia e da Tunísia em direção à Europa, nomeadamente aos territórios italiano e maltês.
De acordo com as estimativas da Organização Internacional para as Migrações (OIM), mais de 2.000 migrantes e refugiados perderam a vida nesta rota durante o ano 2022.
Segundo o Ministério do Interior italiano, mais de 100.000 pessoas chegaram à costa italiana no ano passado, um número que o Governo considera incomportável.
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