Guterres alerta para mundo a caminhar para "beco sem saída"

O secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, alertou hoje em Lisboa para o retrocesso dos direitos humanos e para o "beco sem saída", de que o mundo se aproxima, com o aumento de conflitos, ditaduras, opressão e desigualdades.

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Lusa
06/01/2023 20:34 ‧ 06/01/2023 por Lusa

Mundo

António Guterres

O líder da ONU falava ao fim da tarde na Conferência Expresso 50 Anos "Deixar o Mundo Melhor", que assinala o aniversário da fundação do semanário.

Perante o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, o antigo chefe de Estado Ramalho Eanes e o fundador do jornal e ex-primeiro-ministro, Francisco Pinto Balsemão, Guterres estabeleceu uma comparação entre o papel do Expresso na saída de Portugal do "beco" em que se encontrava antes do 25 Abril, e a relevância da liberdade imprensa, que considera que hoje se encontra ameaçada.

O antigo primeiro-ministro português aproveitou para recordar outra efeméride, os 75 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, e elencar regressões em vastas áreas.

"Olhando para o que são hoje os direitos humanos numa perspetiva mais ampla dos nossos tempos, é evidente que é a negação e o retrocesso desses direitos que em larga medida constituem o beco para o qual o mundo se foi empurrando a si próprio", declarou.

Referindo-se à liberdade de imprensa, Guterres salientou que esta é essencial, e insistiu na ideia de um "beco sem saída", em que "muitos dirigentes políticos pensam que a maneira de encontrar uma saída para o beco é cavando-o e, quando mais cavam, mais se afundam e, quando mais se afundam, mais cavam".

Por isso, defende que a atualidade exige "transformações tão radicais como aquelas que ocorreram no 25 de Abril, para que o mundo possa sair do beco".

O secretário-geral das Nações Unidas disse, aliás, não ser defensor da revisão da Declaração Universal dos Direitos Humanos, por estar convencido que "acabaríamos com um texto muito pior do que aquele que hoje temos".

 Numa análise muito crítica da situação mundial, António Guterres começou por se referir ao direito à paz.

Embora veja "sinais de esperança aqui e ali", como "acordos frágeis" na Etiópia ou na República Democrática do Congo, destacou "o conflito central da nossa época", a guerra na Ucrânia, demonstrando uma vez mais a sua descrença numa solução imediata para o conflito: "A verdade é que continua a não se consegue vislumbrar a curto prazo uma saída e o impacto no sofrimento do povo ucraniano, e o impacto nas consequências na economia e no bem-estar a nível global são verdadeiramente devastadores".

Depois apontou o direito ao desenvolvimento, em que, apesar do consenso de todos os estados na criação da agenda 2030 dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.

"Estamos a meio caminho desse percurso e é verdadeiramente dramático verificar que, em vez de os estarmos a cumprir, estamos a andar para trás em muitos deles."

Guterres descreveu um quadro de "violação permanente dos direitos económico e sociais, num mundo em que cresce a pobreza, a fome, as desigualdades e as diferenças e , ao mesmo tempo, depois da covid e suas consequências, os sistemas educativos e de saúde lutam para garantir o direito de o direito à saúde à educação".

Referiu-se também à perda de direitos culturais, com "minorias oprimidas, étnicas e religiosas, e o direto à diferença se vê negado em tantas circunstâncias em tantas áreas do planeta", salientando igualmente a "questão central da igualdade de género que está a andar para trás de forma particularmente chocante".

Observou que mesmo nas negociações de textos das organizações internacionais, "se torna cada vez mais difícil de introduzir a perspetiva de género, e há um renascer da capacidade de o patriarcado se afirmar como forma dominante de exercer o poder nas nossas sociedades, o que é particularmente preocupante", refletindo-se no aumento da violência contra as mulheres, em situação de conflito, nas sociedades, nas famílias, que a covid veio agravar de forma significativa".

Sobre os direitos cívicos e políticos, mais uma vez o quadro é negativo, quando "vemos a democracia a recuar em varias partes do mundo, liberdade de imprensa ameaçada, mais e e mais jornalistas que são presos, torturados ou mortos, o que é totalmente intolerável nas sociedades modernas e no espaço cívico que se retrai", havendo uma "Incapacidade crescente" de cidadãos fazerem valer os seus pontos de vista em sociedades, "onde de novo assistimos a golpes de estados, ao reforço de ditaduras à imagem dos homens fortes, embora infelizmente alguns homens fortes tenham dado pouca conta de si, como vamos verificando no dia a dia".

Para o líder da ONU, "sem profundas alterações, nomeadamente ao nível das relações de poder à escala mundial, não sairemos do beco", um mundo que, considera, atravessa divisões geopolíticas, nomeadamente entre as grandes potências, em que há divisões entre o norte e o sul e agravamento das desigualdades.

Os direitos das novas gerações, prosseguiu, também estão em perigo, pela forma como se está "a perder a guerra em relação às alterações climáticas" e com o desenvolvimento de novas tecnologias, que não só "alteraram completamente as relações humanas", como podem constituir uma ameaça: "Em relação às administrações públicas, na ideia de que o mercado tudo resolvia, a verdade é que temos em toda a parte governos e organizasses internacionais menos preparadas do ponto de vista do conhecimento, da capacidade técnica do que as grandes empresas multinacionais das tecnologias de comunicação para poderem regular o seu funcionamento".

Para Guterres, "os resultados estão à vista", na perda da privacidade, deixando uma forte crítica a quem usa informações pessoais para vender ou "quem quer oprimir sociedades".

 

Leia Também: Guterres critica países do norte sobre refugiados e alterações climáticas

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