Dois ex-combatentes do Grupo Wagner contaram como é sobreviver em tempos de guerra na Ucrânia, assim como descreveram o clima de ameaça de que foram alvo - tanto por parte da Ucrânia, como da Rússia.
Os testemunhos, prestados sob condição de anonimato, foram dados à CNN Internacional, num artigo publicado no domingo, e os dois homens - ex-condenados recrutados na prisão - falaram na presença de um guarda, dado que foram capturados pelas tropas ucranianas no final de 2022.
"Não se pode ajudar os feridos"
Um dos prisioneiros relembrou um ataque que durou cinco dias, numa floresta perto de Lysychansk, na região do Donbass. "Os primeiros passos na floresta foram difíceis por causa das minas espalhadas. De dez pessoas, sete morreram de imediato", referiu, explicando que "não se pode ajudar os feridos", mesmo que sejam ferimentos leves. "Caso contrário, és tu que acabas atingido", rematou.
Ainda quanto à pressão do exército ucraniano, este prisioneiro foi muito assertivo, explicando que não havia muito tempo para descansar. "Pensas que podes pousar a arma e que nada vai acontecer. E dez minutos depois o combate começa novamente e [os ucranianos] continuam atrás", referiu, acrescentando que as pessoas que combatem pelo Grupo Wagner são trazidas "umas atrás das outras".
Recebemos a ordem para correr. Mas ele recusou-se e escondeu-se (...). Foi levado para um local a cerca de 50 metros da nossa base. Estava a cavar a sua sepultura e, depois, levou um tiro
Apesar de não terem estado sempre nas mesmas batalhas, ambos os prisioneiros contam que não há como recusar uma ordem dos mercenários. "Não nos podemos retirar sem ordens porque se o fizermos somos mortos", contou um dos prisioneiros, relembrando um dos momentos que passou. "Houve um homem que não avançou, era o primeiro ataque dele. Recebemos a ordem para correr. Mas ele recusou-se e escondeu-se atrás de uma árvore. O que aconteceu foi contado ao comandante. Ele foi levado para um local a cerca de 50 metros da nossa base. Estava a cavar a sua sepultura e, depois, levou um tiro", contou.
O outro ex-combatente contou, também, que um dos comandantes os avisou sobre os desertores, que "deveriam ser eliminados", e sobre a responsabilidade que os colegas tinham nestas situações. "Se nós falhássemos na sua eliminação, seríamos eliminados por não os matar [desertores]", notou.
Durante esta conversa, um dos entrevistados contou ainda que as baixas no Grupo Wagner eram muitas, mas que eram sempre substituídas, e que as vítimas eram amontoadas às dezenas. "Quando as vítimas chegam, recebemos ordens para os carregar, mas não pensas em que está morto ou em quem está ferido", garantiu.
Foi quase "um alívio" terem sido capturados pelos ucranianos
A ambos foi prometida liberdade ao fim de seis meses, no dia em que o líder do Grupo Wagner, Yevgeny Prigozhin, chegou à prisão onde estavam de helicóptero. "Pela nossa liberdade, tínhamos que lutar seis meses na Ucrânia, contra os nazis [o presidente da Rússia refere-se à guerra na Ucrânia como 'desnazificação']. Ao mesmo tempo, prometeu-nos salários, pagamento de empréstimos e um cadastro limpo", contou um dos prisioneiros, sendo que também foi sublinhado que os homens só queriam um recomeço e, colocando as duas coisas na balança, "seis meses pareciam melhor do que os dez ou anos que podiam passar na prisão".
Mas foi ao chegar ao campo de batalha, que os homens se aperceberam de que a proposta tinha sido 'bem vendida'. "[Prigozhin] não mencionou nada sobre o perigo", referiu um deles, garantindo que não sabiam sequer que o combate era contra ucranianos.
“Pensámos que estaríamos a utar contra polacos e vários mercenários alemães. Achámos que não havia mais ninguém no exército ucraniano. Pensávamos que tinham deixado o país", explicou, contando que foi uma surpresa quando se aperceberam de que o exército ucraniano era contra quem iam lutar.
"Tornou-se claro que eles [Grupo Wagner] estavam a mentir para entrarmos na batalha contra os ucranianos. Ninguém pensou que as Forças Armadas da Ucrânia realmente iriam lutar pelo seu país, pelas pessoas que amam. Só percebemos isto quando lá chegámos", referiram.
Os prisioneiros referiram ainda que foi quase "um alívio" terem sido capturados pelos ucranianos, contando um deles que se ajoelhou perante um dos soldados da Ucrânia, que disparo ao lado do pé dele. Quase um ano depois da invasão das tropas russas, garantem: "Foi a escolha errada. Não valeu a pena."
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