Em entrevista à Lusa, a diretora do Centro para os Estados Unidos e Europa da instituição de investigação Brookings, com sede em Washington, destacou que "a Rússia não está a cumprir minimamente as leis da guerra", atacando alvos civis, desde início da invasão da Ucrânia, em 24 de fevereiro do ano passado.
"Estão a atacar civis, habitações, infraestruturas críticas, a deportar crianças e entregá-las posteriormente para adoção", descreveu a analista alemã, à margem da conferência 'O Mundo Livre e os seus Inimigos', promovida esta semana em Lisboa pela Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento, lembrando que "tudo isso são violações das Convenções de Genebra".
Especialista em assuntos de política externa da Alemanha, Europa e transatlântica, a antiga editora de defesa e segurança internacional na secção de política do semanário alemão Die Zeit disse que "a lista já é bem longa" e, ao contrário de outras guerras que cobriu como jornalista, "muitos desses crimes estão gravados em registos que são passíveis de uso judicial" e permanecerão para sempre.
"Mesmo que [o presidente russo] Vladimir Putin nunca enfrente um tribunal de justiça, é possível que os russos mintam sobre eles, mas não é possível para o resto do mundo ignorar esses factos", sustentou, o que conduz à ideia de que este quadro "torna bastante difícil que os russos encontrem um fim para esta guerra em termos que, como alguns apologistas alemães sugeriram, os ajudariam a salvar a face".
É nesse sentido que defendeu que, "sem dúvida, e em vários sentidos, os russos já perderam" a guerra na Ucrânia, o que se relaciona com o isolamento de Moscovo, após as atrocidade que cometeu, em que "é quase impossível agora ter uma conversa com diplomatas russos sobre qualquer assunto neste contexto".
Constanze Stelzenmüller tem dificuldade em prever o desfecho da guerra, mas basicamente coloca dois cenários, no primeiro dos quais "a Ucrânia recupera seu território", o que "para a Rússia seria uma enorme derrota estratégica".
Se forem dados os armamentos certos, "a Ucrânia tem uma perspetiva realista de recuperar pelo menos o seu território continental", afirmou a especialista, mas a lentidão demonstrada pelos países aliados sobre os equipamentos a fornecer e em colocá-los no teatro de operações é um obstáculo para atingir este objetivo: "É preciso ser um pouco pessimista em relação aos prazos da operação militar russa e da resistência ucraniana", alertou.
Noutro cenário, as forças de Moscovo prosseguem a ofensiva, pois apesar da diminuição dos seus recursos económicos e de estarem a matar os seus próprios cidadãos, "ainda têm muitos recursos militares que lhes permitem continuar a matar pessoas na Ucrânia e noutros países, se assim o quiserem".
A analista não vê, contudo, "um cenário em que a Rússia não saia como um estado pária", somando "muitas derrotas" na opinião pública.
"Quanto mais eles fazem isso, mais união encontrarão na oposição internacional, não apenas no ocidente, mas presumivelmente em algum momento também em países das regiões não ocidentais do mundo", sublinhou, acrescentando que, com o passar do tempo, até "aqueles países que estão inclinados a tentar ser neutros começam a achar que isto é ofensivo para eles também".
Constanze Stelzenmüller insistiu que o mundo está perante "uma invasão intencional, brutal, cínica e sádica de um país independente, soberano e pacífico que é seu vizinho e seu parente cultural" e também de "uma violação ultrajante das regras fundamentais da ordem internacional.
"Se a Rússia vencer, tudo o resto estará em disputa", advertiu: "se a Rússia perder, terá de haver muito trabalho de reparação a fazer, em primeiro lugar, na Ucrânia".
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