As últimas 48 horas fizeram 'tremer' o território do Nordeste de África, e as réplicas sentiram-se noutros continentes, desde Nova Iorque, na América, até Lisboa, na Europa. Em causa está mais uma disputa territorial, nomeadamente, no Sudão, país que está entregue a duas forças militares desde 2019. A situação fez disparar os alarmes, e os líderes dos dois lados envolvidos neste conflito aceitaram, esta segunda-feira, uma "trégua temporária de três horas" por forma a que se consigam realizar corredores humanitários.
Um país sem líder?
Esta discórdia começou em 2019, quando o território sudanês estava sob o controlo de Omar Hassan al-Bashir. A ditadura e repressão vivida até aí fizeram com que o povo saísse à rua em protestos, que resultaram num presidente deposto e na esperança de existirem movimento semelhantes não só no continente africano, como também no mundo árabe.
Quatro anos depois, neste sábado, o líder do exército sudanês, Abdel Fattah al-Burhan e o comandante do grupo paramilitar Forças de Apoio Rápido (RSF), Mohamed Hamdan, voltam a dizer ao mundo que ao país não está 'nas mãos do povo', afastando com esta disputa a ideia que o país será democraticamente gerido.
A violência e confrontos, que aconteceram na busca pelo controlo da capital, Cartum, fizeram, pelo menos, 97 mortos. Ambos os lados tentaram capturar reclamar tanto o palácio presidencial, como outros locais importantes, entre os quais o aeroporto.
Por que motivo é o Sudão um ponto estratégico?
Para além de ser o 3.º maior país dos 54 que compõe o continente africano, o local é também estratégico, de acordo com uma análise feita pelo New York Times. Nos últimos anos, o país tornou-se um foco de influência numa batalha entre os países ocidentais - principalmente, os Estados Unidos (EUA) - e a Rússia.
No que diz respeito a Moscovo, o Kremlin não só pressionou o Sudão a dar-lhe 'luz verde' para atracar navios de guerra nos seus portos, no Mar Vermelho, como também há operacionais do Grupo Wagner - mais reconhecido agora pelos seus avanços na Ucrânia - em território sudanês. Para além de os operacionais estarem lá para apoiar um governo militar, eles também são responsáveis pela concessão de uma mina de ouro.
Apesar da distância, é esta luta de influência entre os EUA e a Rússia que fizeram com que os alarmes não demorassem muito a soar na América do Norte, tanto em Washington, como em Nova Iorque.
Quem reagiu?
O secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, não demorou a reagir, e logo a seguir aos confrontos terem começado, recorreu ao Twitter para demonstrar a sua preocupação. "Estou profundamente preocupado com o aumento da violência entre as Forças Armadas do Sudão e as Forças de Apoio Rápido. Estamos em contacto com a embaixada em Cartum - as contabilizações estão feitas. Pedimos que todos os intervenientes que parem com a situação e que evitem assim eventuais escaladas", escreveu Blinken numa publicação partilhada no Twitter.
Deeply concerned about reports of escalating violence between the Sudanese Armed Forces and Rapid Support Forces. We are in touch with the Embassy team in Khartoum - all are currently accounted for. We urge all actors to stop the violence immediately and avoid further escalations…
— Secretary Antony Blinken (@SecBlinken) April 15, 2023
Também o secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres, reagiu no rescaldo do início deste confronto, condenado a violência no território e enfatizando que qualquer "nova escalada nos combates terá um impacto devastador sobre os civis e agravará ainda mais a já precária situação humanitária no país". A existência de corredores humanitários previstos para hoje foi arranjada em colaboração com a ONU.
Mas Guterres não foi o único português a reagir já que, deste lado do oceano, também o Governo emitiu um comunicado, no sábado, referindo que para além de estar acompanhar toda a situação, não tem, pelo menos para já, notícias de portugueses afetados pelos dois grupos. Já esta segunda-feira, a mesma tutela afirmou que foi identificada "uma dúzia" de portugueses no Sudão que "estão bem".
E quem são os dois líderes na busca pelo poder?
O líder do exército sudanês, Abdel Fattah al-Burhan, era, de acordo com o New York Times, praticamente desconhecido até 2019, e, apesar de ter sido próximo do presidente, ficou mais conhecido quando, na altura em que o líder foi deposto, um dos ministros assumiu o controlo do país. Tratava-se do ministro da Defesa, Awad Mohamed Ahmed Ibn Auf, cuja tomada de posição levou a que os manifestantes exigissem a sua demissão.
O líder do exército sudanês, Abdel Fattah al-Burhan, era, de acordo com o New York Times, praticamente desconhecido até 2019, e, apesar de ter sido próximo do presidente, apoiou a ascensão do ministro da Defesa da altura, o tenente-general Awad Mohamed Ahmed Ibn Auf. Porém, este foi líder por apenas um dia, sendo substituído por al-Burhan, que deveria coordenar, durante dois anos, um período de transição na direção de uma democracia, devolvendo o poder a líderes escolhidos pelo povo.
O que se passou foi o oposto: Abdel Fattah al-Burhan foi consolidando o seu poder.
Já o seu adversário, Mohamed Hamdan, também conhecido como Hemeti, ter-se-á, nos últimos meses, unido a al-Burhan, por forma a atingirem o poder, e ter também uma posição importante. No entanto, os dois responsáveis entraram em atrito, aumentando as divergências gradualmente até eclodirem, este fim de semana. Hamdan culpa o antigo aliado do presidente deposto pela violência, e ambos os grupos têm vindo a ser persuadidos, pelos norte-americanos, para entregarem o poder ao povo - mas sem sucesso.
[Notícia atualizada às 13h49]
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