Media entre controlo do Governo, perseguições e prisões na Turquia

O panorama mediático na Turquia de hoje está praticamente dominado pelo partido islamista e conservador no poder, mas alguns 'media' persistem a navegar contra a corrente, apesar das pressões, ameaças de multas e prisões.

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© REUTERS/Bernadett Szabo

Lusa
26/05/2023 08:27 ‧ 26/05/2023 por Lusa

Mundo

Turquia/Eleições

No bairro Sisli de Istambul, numa discreta vivenda, está instalada no rés-do-chão e primeiro andar a sede do diário Birgun (Um dia), fundado em 2004, que vende 30.000 exemplares e possui um estúdio de gravação para a emissão de documentários na internet, tudo assegurado por uma equipa de 60 pessoas, 35 jornalistas.

Em vésperas da segunda volta das eleições presidenciais de domingo, a manhã está agitada: um dos seus jornalistas em Ancara, Mustafa Bildircine, surge na primeira página do jornal após ser ameaçado com um processo judicial por "difamação", na sequência de um artigo que denunciava um alegado caso de suborno envolvendo uma família ligada ao poder.

Uma situação comum para muitos jornalistas que enfrentam o prolongado poder do Presidente Recep Tayyip Erdogan e do seu Partido da Justiça e do Desenvolvimento (AKP). Nos processos judiciais, caso a condenação seja até um ano pode ser convertida em multa, mas se for superior a dois anos implica pena de prisão.

"Com 20 anos de AKP no poder, alguns grupos mediáticos capitalistas passaram a controlar quase todos os 'media'. Já existia essa tendência anteriormente, mas agora a diferença reside no facto de os grupos mediáticos serem controlados pelo AKP. E em conluio com empresários adeptos da economia ultraliberal", assinala no seu gabinete Yasar Aydin, o diretor da publicação.

Na parede, um quadro com uma ilustração e símbolo do jornal, dois braços, um azul e outro vermelho, que se aproximam e as mãos que se unem, simbolizando os laços do jornal com os seus leitores.

Problemas similares têm assolado o quotidiano da Bianet, uma agência de informação instalada em Beyoglu, um bairro de Istambul que recua ao passado século e situado perto da célebre praça Taksim.

Fundada em 1999 e vocacionada para a defesa dos direitos humanos e das minorias, a Bianet tem como principal financiador a agência noticiosa sueca Sida.

"Já fomos sujeitos a ordens de bloqueio pela força, o nosso antigo chefe de redação foi a julgamento recentemente por insulto a um antigo 'lobbie' do Presidente Erdogan, foi absolvido", revela o editor do serviço em língua inglesa, Volga Kosçuoglu, 41 anos, para além das edições e língua turca e curda.

A seu lado o diretor-geral da agência, Murat Inceoglu, recorda a recente prisão de jornalista da agência noticiosa curda Mesopotâmia, também sediada em Beyoglu.

"Em período de eleições aumentaram as pressões e as detenções, em particular de jornalistas curdos. Violações da liberdade de expressão, bloqueio no acesso a páginas da internet, julgamentos... publicamos com regularidade relatórios que monitorizam a situação", especifica Volga Kosçuoglu.

Birgun e Bianet, ambos envolvidos num específico campo de combate mas com armas profundamente desiguais.

"A agência noticiosa pública Anatólia (Anadolu) e a televisão pública TRT tornaram-se num instrumento ideológico do AKP. A agência estatal consegue abranger 100% da população do país, é o único instrumento de comunicação que o consegue", revela o diretor do Birgun.

"Hoje, 90% das televisões são controladas pelo AKP e 85% da imprensa está na posse ou é controlada pelo partido. Nas redes sociais, o Governo não consegue ter tanto poder ou controlo, mas impõe crescentes regras para diminuir a sua projeção, enfraquecê-las e controlá-las", prossegue Yasar Aydin, antes de recordar que nos dois primeiros dias após os devastadores sismos de 06 de fevereiro o acesso às redes sociais foi limitado.

A organização da classe também revela sinais preocupantes: Apenas 2% dos jornalistas turcos estão organizados em sindicatos

"Para se formar um sindicato devem aderir ao projeto pelo menos 10% dos trabalhadores, mas a maioria não consegue. Por isso, e na generalidade, não existem contratos coletivos. A maioria das pessoas que tenta organizar sindicatos acaba despedida e fica sem emprego", frisa ainda o diretor do diário.

O jornal já teve 60 casos em julgamento, 20 jornalistas levados a tribunal, mas o facto de estarem organizados num sindicato em conjunto com outros jornais, numa "rede de solidariedades", ameniza o embate da ofensiva governamental.

"Se a polícia intervém num 'media', permitimos que utilizem os nossos meios para continuarem o seu trabalho. Entre 5 a 10% do nosso orçamento é destinado ao pagamento das multas. Se fizermos notícias sobre o palácio de Erdogan, a sua família ou quem o rodeia, geralmente somos processados e multados", afirma Aydin.

Uma situação que não é desconhecida entre os jornalistas de Bianet, apesar de as atitudes repressivas serem discriminatórias.

"Estamos relativamente a salvo em comparação com os jornalistas curdos [que] estão numa situação mais frágil, podem enfrentar rusgas nas suas casas ou nos gabinetes. Estamos mais seguros, primeiro por sermos turcos, e por sermos apoiados pela Suécia, país da União Europeia", admite Volga Kosçuoglu.

"Quando houve uma ordem para bloquear totalmente o nossa página digital, em 2019, foi notícia em todos os media internacionais, nas principais agências noticiosas, e deu-nos alguma proteção", acrescenta. "Os jornalistas curdos não fazem um trabalho muito diferente do nosso, mas o Estado pode criminalizá-los mais facilmente".  

Mesmo a perspetiva de uma vitória do candidato da oposição, Kemal Kiliçdaroglu, nas presidenciais do próximo domingo parece não animar as hostes da Bianet.  

"Caso Erdogan seja derrotado, quem o vai substituir não será muito diferente, também existem racistas entre eles. O líder anti-imigração Umit Ozdag, do ultranacionalista Partido Vitória (Zafer) anunciou um acordo com Kemal Kiliçdaroglu e vai apoiá-lo na segunda volta, um mau sinal", lamenta o diretor-geral Murat Inceoglu. Uma opinião que não acolhe o consenso dos jornalistas que assistem à conversa.

O financiamento da Bianet por uma agência estrangeira já mereceu reparos de forças ultranacionalistas turcas, que ameaçam com uma lei para suprimir esses apoios. "Mas organizações como a nossa já estão a ser afetadas, algum do dinheiro que nos era enviado está a ser desviado para a Ucrânia após a invasão da Rússia", revelam.

À saída da sede da Bianet está o jornalista Nedim Turfent, curdo, também poeta, detido em 2016 por denunciar a repressão policial sobre trabalhadores no sudeste da Turquia. Esteve seis anos e sete meses na prisão, onde dezenas ainda permanecem.

Leia Também: Economia de salário mínimo gera insatisfação na Turquia

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