Numa entrevista à Lusa em Lisboa, Maria Laura Canineu deu como exemplos as declarações de Luiz Inácio Lula da Silva sobre a Venezuela e a sua posição no conflito entre a Rússia e a Ucrânia.
Em relação ao conflito Rússia-Ucrânia, o Presidente brasileiro "deu sinalizações e manifestações muito complicadas", afirmou Maria Laura, acrescentando que aquelas posições não são baseadas "na realidade", quando equipara as responsabilidades entre o Presidente russo, Vladimir Putin, e o Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky.
"Depois voltou atrás numa viagem à Europa" e "modelou um pouco mais a declaração, acho que inclusive aqui Portugal", explicou.
Segundo Laura Canineu, a posição da HRW neste caso é "muito parecida com outros casos do mundo e é a de que não é possível haver paz sem justiça".
A responsável afirmou que o Presidente do Brasil fala que "gosta de trabalhar em mecanismos multilaterais" e salientou que há "uma série de iniciativas multilaterais para apurar responsabilidades do conflito na ONU e há uma comissão de inquérito" a decorrer.
Pelo que, se o Presidente brasileiro "quer construir a paz, negociar a paz, ele precisa primeiro começar a apoiar essas iniciativas da ONU de apurar responsabilidades sobre o que está acontecendo no conflito", concluiu.
Para a responsável da organização não-governamental (ONG) internacional para o Brasil, "o Lula, nesses primeiros meses, deu algumas sinalizações contraditórias e muitas não consistentes com os valores dos direitos humanos".
Apontou a recente visita do Presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, ao Brasil, no âmbito da cimeira da América Latina, como outro acontecimento em que o Presidente brasileiro tomou posições condenáveis.
"O Lula chamou de narrativa construída as acusações de que a Venezuela não vive uma democracia", disse a ativista, frisando que a própria HRW documentou "violações muito graves na Venezuela, há muito tempo, ameaças muito fortes à democracia, um executivo que dominou o judiciário, dominou o legislativo para suprimir o acesso à justiça e acesso aos direitos fundamentais da população venezuelana".
Por isso, a posição de Lula da Silva "é um absurdo".
"É uma sinalização que não foi positiva e que mostra que o Lula talvez não esteja preparado para assumir esse compromisso de ter uma posição sobre direitos humanos consistente e independente do viés ideológico do Governo", concluiu.
Por isso, espera que através de "uma mobilização da comunidade internacional e dos movimentos de vítimas, a HRW possa mudar isso", realçou, garantindo: "a gente vai fazer a nossa parte para isso, sinalizando o que está acontecendo nesses lugares, dando essa narrativa de uma organização internacional que sabe o que está acontecendo na Venezuela, na China", país onde o Presidente brasileiro fez a sua segunda visita oficial.
"Não houve nenhuma manifestação a respeito da necessidade do pilar da democracia, do acesso à justiça das vítimas, de violações muito graves que a própria ONU tem indicado como potenciais crimes contra a humanidade e contra uma minoria étnica", na China, durante a visita do Presidente brasileiro, salientou.
"Para ser uma liderança, ele precisa assumir posições contundentes de [defesa dos] direitos humanos e isso não significa perder posições económicas, relações económicas, parcerias. Ele precisa de ser um líder corajoso" do ponto de vista internacional, acrescentou.
Já no Brasil, as ameaças à democracia ocorreram em simultâneo com o empobrecimento da população brasileira e "isso, por si só, somado à má gestão da pandemia, resultou em mais pobreza, mais crianças fora da escola, mais problemas de saúde".
"Houve uma pioria muito grande das condições básicas de sobrevivência da população brasileira", considerou.
Com o Governo de Lula da Silva, que tomou posse em janeiro último, a responsável da HRW reconhece que "mudou completamente a abertura para o diálogo", com todos os pedidos de reuniões da ONG ao governo a serem atendidos.
Mas, alertou, continua a haver "violações de direitos humanos graves no Brasil".
Por isso, a HRW vai "continuar a insistir que o Governo faça de facto um programa de proteção de defensores de direitos humanos, que seja efetivo".
Já na área de segurança pública, a organizçaão vai continuar a pedir "um plano ou várias políticas que levem à redução da letalidade", porque esse é um dos problemas "mais graves e sensíveis dos direitos humanos no Brasil".
O último dado no Brasil de mortes por intervenção policial é de 2021, ano em que houve "6.000 mortes no país e 84% dessas mortes são de pessoas negras".
"Existe uma necessidade muito grande de falar sobre racismo na aplicação da lei no Brasil", sustentou.
Na sua opinião, esta violência de Estado existe "porque há muita impunidade também".
O discurso político "já mudou completamente", reconheceu, mas mesmo assim fala da necessidade de "coragem" do executivo brasileiro para enfrentar este problema, assim com o da violência contra as mulheres.
Por último, a responsável da ONG de defesa dos direitos humanos adiantou que a sua organização também irá acompanhar atentamente a nomeação "muito importante", em setembro, do procurador-geral da República.
O atual, António Augusto Aras, foi nomeado pelo antecessor de Lula da Silva, Jair Bolsonaro, e estava "fora da lista do próprio Ministério Público" e foi uma pessoa que "silenciou direitos humanos".
A organização espera que possa "realmente haver uma indicação coerente com os princípios, direitos humanos e a imparcialidade que esse cargo merece" no combate aos crimes ambientais e à corrupção.
Maria Laura Canineu está em Lisboa "para conduzir conversas" para ver de que forma a União Europeia e Portugal podem "ajudar o novo Governo [do Brasil] a cumprir as suas promessas nos direitos humanos e no combate à crise climática, que é mais importante que o mundo está a enfrentar".
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