O líder do grupo Wagner, Yevgeny Prigozhin, foi o homem que ganhou todas as atenções nas últimas horas, tendo lançado aquele que foi um dos maiores desafios para o poder de Vladimir Putin. Recordamos aqui como tudo começou e como chegou ao fim esta rebelião, que obrigou o presidente russo a vir dizer que não iria deixar cair o país numa "guerra civil".
Prigozhin deu início a "marcha pela justiça"
As tensões entre os mercenários e Moscovo agudizaram-se na sexta-feira, quando Prigozhin, de 62 anos, acusou o Exército russo de realizar ataques a acampamentos dos seus mercenários, causando "um número muito grande de vítimas", acusações que foram negadas pelo Ministério da Defesa da Rússia. O líder do grupo paramilitar desmentiu ainda Moscovo, ao dizer que as forças russas estavam a recuar perante a contraofensiva ucraniana.
Como resposta, Prigozhin convocou uma revolta contra o alto comando militar da Rússia, garantindo ter 25 mil soldados e convocando os russos a juntarem-se no que designou por "marcha pela justiça", sem esconder que estava disposto a "ir até ao fim" nesta rebelião, embora rejeitasse a existência de um golpe militar.
Moscovo não demorou a reagir e os serviços de segurança russos (FSB) acusaram o chefe do grupo paramilitar de lançar uma guerra civil e apelaram aos mercenários para deter o seu líder. Nesse sentido, o Ministério da Defesa russo prometeu "garantir a segurança" dos combatentes se eles se dissociassem da "aventura criminosa" encetada por Prigozhin.
"A fraqueza da Rússia" e a tomada de Rostov
As primeiras movimentações na sexta-feira à noite foram recebidas com prudência pela Ucrânia, cujo exército sublinhou estar "a observar" os desenvolvimentos do conflito entre o grupo Wagner e o alto comando militar russo. O conselheiro presidencial da Ucrânia, Mykhailo Podolyak, foi um dos primeiros a comentar diretamente a rebelião, que descreveu como uma "operação antiterrorista". Para o assessor ucraniano, estava "tudo apenas a começar na Rússia".
Foi já com a tomada da cidade de Rostov (sul) e o discurso de Putin, a rotular a rebelião como uma "traição" e a prometer "defender o povo", que o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, apontou a autodestruição russa.
"A fraqueza da Rússia é evidente. Quanto mais tempo a Rússia mantiver as suas tropas e mercenários nas nossas terras, mais caos, dor e problemas criará para si própria", referiu Zelensky, continuando: "Quem escolhe o caminho do mal destrói-se a si próprio".
A acusação de "traição" e o vislumbre de uma "guerra civil"
Perante o maior desafio à sua autoridade desde o início da guerra na Ucrânia, Putin não nomeou Prigozhin no seu discurso na manhã de sábado através da televisão estatal russa, mas defendeu que a revolta do grupo Wagner foi causada por "ambições desmesuradas por interesses pessoais" e falava em "traição".
Reiterou ainda que não iria deixar cair o país numa "guerra civil", enquanto o grupo paramilitar já assumira o controlo das instalações militares e do aeródromo de Rostov, uma cidade-chave para o ataque à Ucrânia.
Yevgeny Prigozhin não demorou a reagir e assegurou que "ninguém" se ia "entregar a pedido do presidente" da Rússia, referindo ainda que Putin "estava profundamente enganado" ao acusá-lo de traição.
Comunidade internacional acompanhava de perto "assunto interno"
Enquanto tudo isto se desenrolava, a comunidade internacional dizia seguir atentamente os acontecimentos em Moscovo e a NATO assegurou que estava "a monitorizar a situação", enquanto a Comissão Europeia descreveu a rebelião como "um assunto interno" da Rússia e o G7 -- que reúne Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido -- falou sobre o tema com o líder da diplomacia da União Europeia, Josep Borrell.
Além disso, a Casa Branca anunciava que o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, tinha conversado com o homólogo francês, Emmanuel Macron, e com os governantes de Alemanha, Olaf Scholz, e Reino Unido, Rishi Sunak.
Por outro lado, Turquia e Irão declararam apoio a Putin, com as autoridades russas a responderem com manobras defensivas para travar o avanço do grupo Wagner sobre Moscovo e noutras cidades, além do avanço das forças chechenas de Ramzan Kadirov e de avisos para o "Ocidente russofóbico" contra o aproveitamento da situação.
O "presente para o Ocidente" e o fim da rebelião
Já a Bielorrússia, um dos aliados mais próximos do Kremlin, catalogou a rebelião como "um presente para o Ocidente", tendo o presidente bielorrusso, Alexander Lukashenko, anunciado ao final da tarde de sábado que, na sequência de conversações, Prigozhin teria aceitado parar.
A confirmação do grupo Wagner chegou pouco depois, pela rede social Telegram, numa mensagem assinada por Prigozhin, que ordenou aos seus mercenários que interrompessem a marcha rumo a Moscovo e se retirassem para os seus campos na Ucrânia, para evitar "um derramamento de sangue", colocando, assim, um ponto final na rebelião.
Posteriormente, o Kremlin anunciava que Yevgueni Prigozhin partirá para a Bielorrússia, assegurando que a justiça russa não o perseguirá criminalmente nem aos seus combatentes.
"Os chefes da Rússia não controlam nada"
O presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, reagiu ao recuo, considerando que "o mundo viu que os chefes da Rússia não controlam nada".
Por sua vez, Podolyak, conselheiro da presidência ucraniana, defendeu que o dirigente do grupo paramilitar Wagner "humilhou Putin". "Prigozhin humilhou Putin/o Estado e mostrou que já não existe monopólio da violência" legítima na Rússia, escreveu no Twitter.
Enquanto os mercenários do Wagner abandonavam a Rússia, Prigozhin ganhava a certeza de que não tinha sido abandonado pelo povo russo. O líder deixou Rostov entre os gritos e aplausos dos residentes. Este apoio já tinha sido demonstrando anteriormente, quando dezenas de habitantes se concentraram a gritar "Wagner" em frente ao quartel-general militar daquela cidade.
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