Os últimos dias em França - e na Europa - estão a ficar marcados pelos protestos violentos que decorrerem depois de um adolescente, de 17 anos, ter sido morto por um agente da polícia em Nanterre, um subúrbio Paris, a capital.
Tudo aconteceu a 27 de junho, quando o jovem, identificado como Naël M., tentou, alegadamente, fugir a uma operação de fiscalização de trânsito. O agente disparou, e o jovem acabou por não resistir ao ferimentos, perdendo a vida.
O momento em que as autoridades interceptam Naël foi registado e partilhado. Tal como incendiaram as redes sociais, provocaram também muita revolta - não só em Paris, como em várias cidades francesas e até na Bélgica.
Os protestos têm acontecido durante a noite, e as ruas têm sido alvo de fogos e 'palco' de detenções. Já no final da semana, o presidente francês, Emmanuel Macron, apelou "à responsabilidade" dos pais, justificando que, para além dos grupos organizados que invadiam as ruas para se manifestarem, grande parte dos que saíam às ruas eram jovens. "É responsabilidade dos pais mantê-los em casa", afirmou.
O caso levou ainda o chefe de Estado a cancelar uma visita à Alemanha, que deveria começar este domingo.
The incident that sparks a night of rioting in Nanterre France 🇫🇷 pic.twitter.com/OfQS1sPWdi
— Brexit Brian Patriots (@BrianPatriots) June 28, 2023
O testemunho de quem seguia no carro
O funeral do jovem aconteceu no sábado, no mesmo dia em que um amigo do jovem - que também seguia no carro no momento do disparo - contou a sua versão, por forma a "repor a verdade". A testemunha justifica-se, referindo que há "muitas mentiras" que circulam nas redes sociais. O adolescente explica também que tinham um carro emprestado, da marca Mercedes, e decidiu dar uma volta por Nanterre.
Não estávamos sob a influência de álcool ou de drogas
Citado pela Sky News, o jovem conta que seguiam na faixa destinada aos autocarros quando, de repente, repararam que estavam a ser seguidos por motociclos das autoridades. Um dos polícias ter-se-á aproximado da janela do veículo, ameaçando Naël.
"Desliga o carro ou disparo", terá dito o agente. O amigo conta ainda que Naël foi esmurrado com a arma, uma ação que terá sido repetida por outro membro da patrulha.
"Não te mexas, ou meto-te uma bala na cabeça", terá dito o primeiro agente, enquanto apontava uma arma à cabeça do adolescente. Terá então sido nesse momento que o segundo interveniente disse ao primeiro polícia para este disparar.
Segundo o jovem, Naël foi novamente esmurrado pelo polícia que iniciou aquela interpelação, o que fez com que levantasse o pé do travão e o carro avançasse um pouco. O segundo polícia terá disparado, e foi aí que o adolescente acelerou. "Vi-o em sofrimento, a tremer. Atingimos uma barreira. Estava com medo, por isso saí do carro e fugi. Pensei que também me pudessem balear", confessou o amigo.
Dois dias depois da situação ter acontecido, o advogado do agente que disparou explicou que este ficou "arrasado" com o que aconteceu, e transmitiu o "pedido de perdão" à família de Naël.
Recorde-se que este foi indiciado por homicídio com dolo e colocado em prisão preventiva, anunciou o Ministério Público francês, a 29 de junho.
O caos e as noites de detenções
A situação resultou, tal como já foi referido, em grande revolta nas ruas francesas, onde o caos tem estado instalado e milhares de detenções já foram feitas.
De acordo com o que o ministro do Interior de França, Gérald Darmanin, escreveu, este domingo, numa publicação partilhada no Twitter, esta - a 5.ª noite de protestos -, foi mais calma. "Uma noite mais calma graças à ação policial, que fez 427 detidos desde o início da noite", apontou o responsável. Entretanto, o número foi atualizado, tendo, na última noite, havido pelo menos 718 detenções.
Nuit plus calme grâce à l’action résolue des forces de l’ordre qui ont notamment réalisé 427 interpellations depuis le début de soirée.
— Gérald DARMANIN (@GDarmanin) July 2, 2023
Um reforço policial já tinha sido anunciado, tanto pelo ministro como pela primeira-ministra, Élisabeth Borne. Segundo os responsáveis políticos, houve mais de 45 mil elementos mobilizados para os protestos desta noite.
Ce soir, 45 000 policiers et gendarmes et des milliers de sapeurs pompiers sont mobilisés pour protéger et garantir l’ordre républicain.
— Élisabeth BORNE (@Elisabeth_Borne) July 2, 2023
Face aux violences, ils font preuve d’un courage exemplaire.
Je suis venue leur réaffirmer tout mon soutien et celui de mon gouvernement. pic.twitter.com/3NgFmmz86P
No total, já foram feitas milhares de detenções, com a madrugada de sábado a registar o maior número - entre sexta-feira e ontem foram registadas 1.311, de acordo com o Ministério do Interior de França.
A despedida de Naël
A família do jovem pediu ontem à comunicação social que se mantivesse afastada do local onde o funeral decorria, em Nanterre. Depois do velório privado, seguiu-se uma cerimónia na mesquita e o enterro num cemitério local.
Família e amigos despediram-se do jovem tendo sido acompanhados por uma grande multidão que clamava por "justiça pelo Naël".
Mas... quem era este jovem?
Uma reportagem da agência France Presse, no bairro de Naël, dá conta de um jovem às vezes 'borderline', com uma vida semelhante à de muitos outros jovens da cidade de Nanterre, nos arredores da capital francesa, entre a sobrevivência e pequenos percalços com a lei.
Fã de rap e motos, o jovem, que foi enterrado ontem no cemitério de Mont-Valérien, com a maior privacidade, foi criado sozinho pela mãe em Nanterre, a oeste de Paris.
Morava num bairro em construção na propriedade Pablo-Picasso, ao pé do distrito de La Defense, onde começaram os primeiros tumultos, na terça-feira, logo após o disparo de um polícia que lhe foi fatal, durante uma fiscalização de trânsito.
Durante uma marcha branca na quinta-feira, em sua memória, o seu primeiro nome, Naël, serviu de grito de guerra para milhares de pessoas. "Naël, ele era um jovem tranquilo. Ele cometeu delitos, de acordo, mas em que mundo é motivo para o matar?", protestou Saliha, 65 anos, moradora de seu bairro.
"Naël é filho de todos", disseram outros manifestantes durante esta homenagem que resultou em violência.
Devastada, a sua mãe, Mounia, descreveu o jovem como o seu "melhor amigo". "Foi tudo para mim", disse a mulher, que expressou ainda a sua "revolta" enquanto se recusava a criticar toda a força policial.
Não culpo a polícia, culpo uma pessoa: aquela que tirou a vida do meu filho
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