Regime de Putin calou oposição à guerra com mais repressão interna

Na madrugada da invasão da Ucrânia, o Presidente Volodymyr Zelensky ainda apelou ao povo russo para que impedisse a guerra, mas a possível pressão que desejava tinha sido acautelada com a supressão de potenciais vozes mobilizadoras.

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Lusa
20/08/2023 08:07 ‧ 20/08/2023 por Lusa

Mundo

Ucrânia/Rússia

Mesmo assim, ao acordarem com o país em guerra, muitos russos quiseram manifestar-se contra a decisão do Presidente Vladimir Putin e saíram às ruas em Moscovo e noutras cidades para enfrentar as forças de segurança.

Após milhares de detenções - terão sido mais de 1.800 nas primeiras 24 horas -, os protestos nas ruas foram diminuindo, mas continuaram nas redes sociais, sob a vigilância das forças de segurança.

Do lado ucraniano, Kiev tem em vigor a lei marcial desde 2022, ao abrigo da qual Zelensky, entre outras restrições, fundiu canais de televisão num só e suspendeu 11 partidos da oposição, alegando ligações a Moscovo.

Em dezembro de 2022, Kiev adotou uma lei sobre os 'media' que alargou os poderes da entidade reguladora "para advertir, multar, retirar a licença e suspender qualquer meio de comunicação social", segundo a Amnistia Internacional.

A entidade reguladora ucraniana passou também a poder "bloquear temporariamente e de forma extrajudicial o acesso a recursos 'online' não relacionados" com os 'media'.

No caso russo, o país não está oficialmente em guerra, mas Putin endureceu as leis para punir quem contestasse a "operação militar especial", após duas décadas no poder com denúncias de prisão, exílio e assassinato de opositores.

Em consequência, diversos 'media' independentes foram obrigados a suspender a atividade ou a deixar o país, e muitos opositores optaram pelo exílio ou foram detidos e condenados.

Um dos casos recentes mais notórios é o do historiador, jornalista e político Vladimir Kara-Murza: em abril deste ano, foi condenado a 25 anos de prisão por traição, na sequência de discursos contra a guerra em curso na Ucrânia, iniciada há cerca de um ano e meio.

Kara-Murza, 41 anos, é considerado pela Amnistia Internacional como um preso de consciência e era próximo do opositor Boris Nemtsov, assassinado a tiro em 2015, perto do Kremlin.

E há apenas três semanas, o principal rosto da oposição a Putin, Alexei Navalny, sobrevivente de uma tentativa de envenenamento como Kara-Murza, foi condenado a mais 19 anos de prisão, por extremismo.

Mais 19 anos, porque o advogado e político cujo nome Putin se recusa a pronunciar já estava a cumprir uma pena de 11 anos de pisão por alegadas fraudes.

Mesmo assim, Navalny, 47 anos, exortou o povo russo a continuar a resistir contra "o bando de traidores, de ladrões e de canalhas" no poder em Moscovo.

"A repressão atual é a mais grave de todo o período pós-soviético e a mais absurda", disse recentemente Kirill Medvedev, músico e ativista de esquerda de Moscovo, à televisão árabe Al Jazeera.

No relatório "Repressão em tempo de guerra", divulgado em julho, a organização russa independente OVD-Info denunciou "uma onda de repressão sem precedentes" logo após a invasão.

Até 20 de julho deste ano, documentou 19.747 detenções por posições antiguerra em manifestações, publicações nas redes sociais, exibição de símbolos ou discussões privadas.

As estatísticas da repressão incluem mais de 600 processos-crime e milhares de procedimentos administrativos ou pressões extrajudiciais.

A própria OVD-Info foi bloqueada em dezembro de 2021, por atividades destinadas "a promover o terrorismo e o extremismo na Rússia".

Logo após a invasão, a censura, a cargo do serviço federal Roskomnadzor, ordenou aos 'media' que suprimissem referências a "invasão", "ofensiva" ou "declaração de guerra".

Em vez disso, deveriam usar a designação considerada correta: uma operação militar especial destinada à manutenção da paz.

O endurecimento da legislação levou meios de informação estrangeiros, como a BBC, a suspender temporariamente a atividade no país por recearem processos contra os jornalistas.

Desde a invasão, "quase todos os meios de comunicação social independentes foram proibidos, bloqueados ou declarados 'agentes estrangeiros' ou 'organizações indesejáveis'", disse a organização Repórteres sem Fronteiras (RSF).

No Índice Mundial da Liberdade de Imprensa 2023 da RSF, a Rússia surge na posição 164, em 180 países e territórios analisados, com a Ucrânia no lugar 79 da lista liderada pela Noruega.

Ao descrever o ambiente na Rússia antes da guerra, o jornal Novaya Gazeta lembrou, em abril, que Navalny estava preso e que a organização Memorial, que "mantinha vivas as memórias do terror de Estaline", tinha sido encerrada.

Publicado agora fora da Rússia, o Novaya Gazeta foi dirigido por Dmitry Muratov, que recebeu o Prémio Nobel da Paz em 2021, juntamente com a jornalista filipina Maria Ressa.

"O objetivo da campanha do Kremlin para castigar os inimigos (...) é também o mesmo do tempo de Estaline: incutir o medo na sociedade russa e paralisar a vontade de desafiar o regime", escreveu Kara-Murza no jornal norte-americano The Washington Post em abril.

Além de Navalny e dele próprio, Kara-Murza disse que "há centenas de presos políticos na Rússia de hoje" e que o segmento que "mais cresce é o dos opositores à guerra de Putin contra a Ucrânia".

"A repressão e o medo são a única forma de o Kremlin conseguir - por enquanto - impedir que um sentimento antiguerra significativo na sociedade russa se traduza em protestos abertos", acrescentou.

Há uma semana, uma antiga candidata presidencial contra Putin, Ksenia Sobchak, 41 anos, admitiu ao jornal norte-americano The New York Times que a luta pela mudança é inútil na Rússia.

"Não há resistência, nem pode haver. Isto tem de ser compreendido", afirmou.

A jornalista russa Marina Ovsyannikova, 44 anos, que segurou um cartaz contra a guerra em direto na televisão estatal, disse à BBC que os russos vivem numa "bolha de propaganda".

"Mas a elite governante - aqueles que perderam os aviões, os iates, as finanças - percebem tudo. Assim que a vitória ucraniana estiver mais próxima, acredito que a elite dominante vai apresentar a Putin uma grande fatura", acrescentou.

Aos russos que o criticam por causa da guerra, Putin acusa-os de serem uma "quinta coluna" ao serviço dos interesses ocidentais e prontos a "vender a própria mãe".

Leia Também: Russos protestam em Lisboa e Porto contra "regime terrorista" de Putin

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