Sánchez garante que haverá novo executivo de esquerda em Espanha
O líder do partido socialista espanhol (PSOE) assegurou que será reconduzido como primeiro-ministro.
Lusa | 14:36 - 24/09/2023© Juan Carlos Rojas/picture alliance via Getty Images
Mundo Espanha
Há poucas coisas certas na vida e há ainda menos coisas certas na política espanhola mais recente. Os últimos meses desde a 'vitória de Pirro' do Partido Popular (PP) têm sido marcados por negociações e por jogos de calculadora com o número de deputados eleitos, mas uma coisa é praticamente certa: se não houver surpresas, Alberto Ñúnez Feijóo não será presidente do governo de Espanha no final de quarta-feira.
O debate da investidura começa esta terça-feira às 12h00 (11h00 em Lisboa) no Congresso, e Feijóo irá apresentar a sua proposta de governo, num discurso sem tempo limite. A votação está prevista para quarta-feira e, pelo meio, espera-se que o líder do PP aproveite a oportunidade para criticar a governação de Pedro Sánchez, dos socialistas do PSOE e as recentes aproximações aos independentistas catalães.
Em entrevista ao Notícias ao Minuto, Toni Aira, professor de comunicação política na UPF-BSM e analista político publicado, explicou que é praticamente certo que o PP morra na praia na sua tentativa de chegar ao governo espanhol, depois de um resultado aquém do esperado nas legislativas de julho.
“O PP tem tido nos últimos tempos uma queda em votos, e a fragmentação da direita espanhola leva-o a associar-se ao Vox, que é a ultradireita e, além disso, um partido nitidamente 'anti-catalanista', 'anti-basquista', anti quaisquer nacionalismos que denominam como periféricos. Portanto, se tens como sócio inevitável este partido, o problema é que os outros partidos que poderiam ser teus aliados não te vão apoiar porque nunca votarão com o Vox”, elucidou.
Para esclarecer as contas para já feitas no Congresso, o PP e o Vox reúnem 172 deputados, nos quais estão ainda incluídos um do União do Povo Navarro (UPN) e um da Coligação Canária. O PSOE, de Pedro Sánchez, junta a Somar, a Esquerda Republicana da Catalunha (ERC), o Partido Nacionalista Basco (PNV, o Euskal Herria Bildu (EH Bildu) e o Bloco Nacionalista Galego (BNG).
🇪🇸 Las elecciones generales en España de este domingo pueden provocar un bloqueo en la gobernabilidad del país ya que los candidatos de PP y PSOE no disponen de los escaños suficientes para que sus líderes sean investidos como presidente del gobierno.
— euronews español (@euronewses) July 23, 2023
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No centro da balança estão sete deputados, sete catalães do partido independentista Junts per Catalunya (Junts, ou JxCat), que podem ser a solução para mais um governo de Pedro Sánchez.
Chave da governação está na Catalunha
O PSOE passou a depender completamente do voto favorável do Junts, o partido liderado à distância por Carles Puidgemont, exilado em Antuérpia. O Junts tem pedido, como condição para o seu apoio, uma lei de amnistia para os dirigentes do partido envolvidos no referendo para a independência da Catalunha, em 2017; e um compromisso de realizar um novo referendo, para a Catalunha, que desta vez seja reconhecido pelo governo de Madrid.
Recentemente, a ERC adiantou que já houve avanços entre os independentistas e o governo para uma lei da amnistia. Antonio Ruiz Valdivia, correspondente político do infoLibre e analista da La Sexta, salientou ao Notícias ao Minuto que acordar uma lei de amnistia "é uma coisa muito difícil e complicada de entender para muitas pessoas”, mas recordou que “hoje a Catalunha está muito melhor do que há cinco anos e as sondagens dizem que, agora mesmo, há uma maioria das pessoas a favor da Espanha que queriam a independência, coisa que não acontecia há cinco anos”.
Se Ruiz Valdivia se mostra confiante que Pedro Sánchez chegará a um acordo e “daqui a um mês será presidente do Governo”, Toni Aira acredita que chegar a um acordo com o Junts é demasiado complicado e que o PSOE deve-se preparar para voltar às urnas.
“Se é impossível? Não, mas é muito difícil. E ainda é mais difícil saber o que considera o Junts como um compromisso acessível para um referendo e, sobretudo, se Sánchez e o PSOE estão em condições de oferecer algo parecido com um referendo”, apontou.
Sánchez, um gato de quantas vidas?
Depois de quarta-feira, a bola passa completamente para o lado de Pedro Sánchez, que terá cerca de um mês para arranjar uma solução governativa ou voltar a ir a eleições - que seriam pela altura do Natal ou do início de janeiro.
Pedro Sánchez tem aproveitado várias oportunidades para recuperar politicamente. Já recuperou de uma saída da liderança do partido, já sobreviveu a várias eleições e, em julho, o PSOE teve um resultado bem melhor do que o esperado, segurando o crescimento da Direita e impedindo a maioria. Toni Aira acha que o acordo com o Junts é demasiado difícil e, por isso, é “mais provável eleições antecipadas do que um acordo”. “Sánchez fez coisas muito inesperadas na sua carreira”, admite, mas “teria de haver um salto muito grande”.
“Sánchez pode construir uma narrativa de resistência contra as exigências intransponíveis do independentismo catalão radical, pode ampliar e pedir uma maioria mais ampla para não depender destes partidos e pode consegui-lo, sobretudo porque o PP tem uma má situação interna, tem uma liderança discutida. E, além disso, o Vox está em queda. O Vox, nos últimos ciclos eleitorais, perdeu representação e votos em todos os âmbitos. A soma fica mais difícil”, disse.
Ruiz Valdivia, contudo, reafirma que o chefe do governo espanhol “é um verdadeiro sobrevivente”. “Quando toda a gente o dava como acabado, o partido comportou-se muito melhor do que em todas as previsões. Houve uma grande mobilização para acabar com a ultradireita, tendo sido indispensável e muito decisivo o voto das mulheres e da comunidade LGBTI+, que se mobilizou de forma extraordinária para parar o governo de direita e apoiar Pedro Sánchez”, explicou ainda o analista.
PP “desorientado” e Feijóo “débil”
Há pouco, descreveu-se o PP como em “estado de choque”. Toni Aira vai mais longe, nota que os conservadores “estão desorientados, não esperavam este resultado, e a liderança de Feijóo sente-se débil, discutida por esses resultados”.
O fim de semana pré-debate da investidura ficou principalmente marcado pela manifestação convocada pelo PP em Madrid, na qual uma enchente de dezenas de milhares de pessoas se juntaram para dizer ‘não’ a Sánchez e à amnistia. Mas o preâmbulo para o protesto foi de grande confusão, com o antigo primeiro-ministro José María Aznar a intervir e com Feijóo a ver-se a braços com uma forte contestação interna ao facto de não conseguir o objetivo claro, que era colocar a direita no Palácio da Moncloa.
Milhares de apoiantes do PP desfilaram em Madrid no domingo© Burak Akbulut/Anadolu Agency via Getty Images
“Feijóo chegou a Madrid com um objetivo, que era ganhar a presidência do governo e não o conseguiu. O partido deve-lhe respeito moral e intelectual, portanto agora não o vão atacar. Mas a verdade é que se Feijóo não consegue ganhar e se espera um ou dois anos e a legislatura segue em frente, vai ser muito difícil para o próprio continuar, ficará demonstrado que não serviu para derrotar Pedro Sánchez. O PP terá de buscar um substituto porque não serviu a via moderada de Feijóo. E nesse momento, virar-se-ão todos para Isabel Diaz Ayuso, que já é uma estrela pop para muitos no PP”, sugeriu Antonio Ruiz Valdivia.
Para já, Feijóo está a preparar-se para falar ao Congresso dos Deputados, onde as recentes mudanças também fizeram aumentar a tensão entre os grupos parlamentares - o Congresso passou a permitir que outras línguas fossem usadas pelos parlamentares, nomeadamente catalão, basco e galego -, o que enfureceu o Vox, obviamente.
Com um líder enfraquecido por uma vitória bem amarga, com uma jovem Ayuso a consolidar-se como a coqueluche de um PP ainda mais encostado à direita e ao Vox, e com um Sánchez que não se deixa ficar deitado, a vida afigura-se complicada para os conservadores espanhóis.
Sánchez pode começar na quarta-feira uma corrida em contrarrelógio para chegar a uma complexa lei de amnistia para uma Catalunha mais favorável e que consolide, mais uma vez, o seu poder em Espanha. No entanto, tal como António Costa, os calendários vão hipotecar uma eventual candidatura a altos cargos europeus, pelo menos para já.
“Eu acho que veremos Costa e Sánchez em futuras instituições, sobra-lhes muita vida política. Terão de competir mas, se me permite o comentário, a única vantagem do espanhol é que é muito mais 'guapo'. Nada pode competir connosco!”, rematou Valdivia.
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