Polónia é país pró-europeu apesar de discursos, diz Comissão em Varsóvia

O representante da Comissão Europeia em Varsóvia rejeita uma postura antieuropeia no país, apesar da retórica agressiva usada pelo partido no Governo e diferenças com Bruxelas no centro do debate de umas das eleições mais incertas de sempre.

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Lusa
10/10/2023 11:34 ‧ 10/10/2023 por Lusa

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Polónia/Eleições

Em entrevista à Lusa na capital da Polónia a menos de uma semana das legislativas, Bartlomiej Balcerzyk afirma que a lista não é longa nas questões que afastam Bruxelas e Varsóvia, mas bastante densa, incluindo desvios ao estado de direito, política migratória, comércio externo ou pacto ecológico, mas isso não significa que haja um sentimento antieuropeu dos cidadãos polacos nem do partido do Governo, Lei e Justiça (PiS).

O chefe da delegação da Comissão Europeia (CE) reconhece a existência de uma narrativa crescente contra os "burocratas de Bruxelas" na aproximação do dia das eleições, manifestada em crises recentes, como a rejeição do pacto migratório ou a desobediência no bloqueio à importação de cereais ucranianos.

"Mas quando se olha para as sondagens e para o apoio à adesão da Polónia na UE [União Europeia], as pessoas são muito pró-europeias, o que significa que também apoiantes do Governo devem ver benefícios e os resultados positivos de ser um estado-membro", observa Bartlomiej Balcerzyk, acrescentando que o próprio Governo não se assume como antieuropeu.

Essa ideia tem sido reiterada pelo PiS quando insiste que não tem intenção de deixar a UE, mas antes reformá-la, e se limita, por exemplo, a prosseguir as suas políticas sociais e salvaguardar a segurança do país, depois de ter construído uma fronteira com a Bielorrússia para impedir a entrada de migrantes.

Em causa está também, segundo Balcerzyk, jurista de formação e na CE desde 2008, uma "espécie de guerra cultural" que levanta questões ligadas à crença, à fé, à e à cultura.

O que acaba por dificultar as relações com a UE são medidas aplicadas por Varsóvia, como é o caso de desobediências à legislação comunitária determinadas pelo Tribunal Constitucional ou matérias relacionadas com interferências políticas no poder judicial e independência dos juízes, o que levou ao congelamento de fundos de coesão transferidos para Varsóvia.

As eleições na Polónia ganharam importância acrescida, não só por aquilo que podem implicar em termos de mudanças internas, após oito anos de domínio absoluto do PiS e que procura o seu terceiro mandato consecutivo, como também no impacto na política externa de Varsóvia e na tensa relação que tem vivido com a UE.

A maioria das sondagens independentes sugere que a disputa está muito próxima, com uma vantagem muito estreita do PiS, liderado pelo dirigente histórico Jaroslaw Kaczynski, face à alternativa liberal e progressista da Plataforma Cívica (PO), dirigida pelo ex-presidente do Conselho Europeu Donald Tusk.

A capacidade de formar o próximo governo provavelmente dependerá dos resultados de vários partidos menores, que vão da esquerda ao centro direita e extrema-direita, não sendo de excluir um parlamento suspenso, sem qualquer coligação viável, e a perspetiva de eleições antecipadas num futuro próximo.

"A situação é bastante instável", concede o representante da CE, num contexto altamente polarizado, em que se jogam duas perspetivas sistémicas e ideológicas para os próximos anos, em que tanto o PiS como o PO precisarão dos seus "kingmakers" (influenciadores) nos pequenos partidos, sabendo-se à partida que pelas posições públicas do principal partido de oposição, "quando se trata de relações com a UE, eles [liberais] gostariam de melhorá-las".

A CE em Varsóvia considera, porém, que tem existido colaboração das autoridades polacas em prioridades definidas como a digitalização ou a implementação dos fundos comunitários, mas admite que outras constituem "um desafio", quando se trata do pacto ecológico, numa economia bastante dependente dos combustíveis fósseis, ou o pacto migratório, que Varsóvia se recusa a implementar.

A par das legislativas, os eleitores vão votar em quatro referendos, dois dos quais relacionados com a imigração, um sobre o muro na fronteira com a Bielorrússia, outro sobre acolhimento, em que na formulação é perguntado aos polacos se concordam com "a admissão de milhares de imigrantes ilegais do Médio Oriente e de África de acordo com o mecanismo de relocalização forçada imposto pela burocracia europeia".

Esta questão, segundo Bartlomiej Balcerzyk, exibe medos da sociedade polaca refletidos nas sondagens e no debate político, e que, dada a proveniência longínqua daqueles migrantes, são separados do acolhimento de cerca de um milhão de ucranianos registados atualmente no país, num total de 1,6 milhões acumulados desde a invasão russa em fevereiro de 2022, de acordo com dados do Alto Comissariados das Nações Unidas para os Refugiados.

A relação da Polónia com a Ucrânia atravessou uma tensão sem precedentes nas últimas semanas devido ao bloqueio dos cereais, que Varsóvia justificou com a proteção dos seus agricultores, ameaçando suspender o fornecimento de armas a Kiev, mas cujos últimos sinais indicam um entendimento entre os dois aliados contra a Rússia.

O representante da CE recomenda que se espere pelo fim das legislativas, sugerindo, como opinião pessoal na qualidade de observador político, que parte da escalada do discurso possa estar relacionada com o ambiente eleitoral na Polónia.

Quanto ao pacto migratório, é trabalho da CE "cooperar ao máximo para convencer o Governo polaco de que, na verdade, também está nos benefícios para a Polónia fazer parte dele", até porque, com a quantidade de refugiados existentes, "poderia candidatar-se a mais benefícios" do que estando fora, havendo também compreensão de Bruxelas da situação particular do pais e dos esforços também já feitos ate ao momento em matéria de acolhimento.

"O tema da migração sempre foi muito sensível para todos os estados-membros", adverte Bartlomiej Balcerzyk, lembrando que a Polónia está na "linha da frente" na oposição ao pacto mas não sozinha, encontrando-se também objeções noutros estados-membros, como a Hungria.

Outra matéria controversa está ligada à situação na fronteira com a Bielorrússia e à pressão migratória de imigrantes asiáticos e africanos que usam este país em trânsito para a Polónia, que ergueu uma barreira e deslocou um efetivo militar para a região.

Há denúncias de abusos dos guardas fronteiriços polacos contra os migrantes e dificuldades impostas às organizações humanitárias, acusações por sua vez rejeitadas pelas autoridades.

Na Polónia, foi revelado um esquema de venda e de vistos a migrantes, com implicações no espaço Schengen, desconhecendo-se o alcance do escândalo no país anfitrião da agência europeia Frontex, que monitoriza as fronteiras externas da UE.

"Não é fácil avaliar a escala dessas vendas ilegais ou algo assim, mas o que podemos ver é a quantidade de vistos que foi fornecida, legalmente ou não, é muito elevada em comparação com a média europeia e isso abre espaço para perguntas, como a Comissão fez", assinala o representante em Varsóvia.

Em relação à situação na fronteira com a Bielorrússia, Bartlomiej Balcerzyk avisa que se trata de "uma instrumentalização de pessoas vulneráveis que são enviadas ou transportadas de países de origem para a Bielorrússia e depois empurradas para as fronteiras com a Polónia, Lituânia, e Letónia, não se tratando de um caso típico de migração"

A resposta, defende o representante, tem de ser encontrada entre as duas questões e, para que o apoio a Varsóvia seja prestado pela Frontex "é preciso estar lá", o que depende de solicitação dos estados-membros.

Leia Também: Polónia envia aviões militares a Israel para retirar cidadãos nacionais

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