Escritor dissidente alerta que russos no exílio são "alvos" de Moscovo
Os russos que vivem exilados na Europa devem estar atentos, porque as vozes que criticam o Kremlin e a guerra contra a Ucrânia são agora "alvos", alertou o romancista dissidente Sergei Lebedev, em entrevista à AFP.
© REUTERS/Evgenia Novozhenina/File Photo
Mundo Rússia
"Esta comunidade de emigrantes na Europa é agora um dos alvos mais importantes para os serviços de segurança russos", afirmou o autor de 42 anos, na entrevista, feita durante a Feira do Livro de Frankfurt, na Alemanha.
"Haverá tentativas de infiltração, informadores e, claro, tentativas de assassinato", acrescentou o autor, que vive na Alemanha com a mulher há cinco anos.
A Alemanha é um "centro" para os russos no exílio, sublinhou o escritor, que foi apresentar o seu último livro num dos maiores eventos literários europeus, a decorrer esta semana.
Desde o início da guerra, o escritor tem tomado precauções adicionais na troca de informações consideradas sensíveis e apela aos seus compatriotas para que façam o mesmo.
Sergei Lebedev considera que os russos na Europa não estão a levar a ameaça suficientemente a sério, que "não se sentem muito preocupados com a segurança".
O seu romance "Le Débutant", escrito antes do início da invasão russa em fevereiro de 2022 e publicado em França no ano passado (em Portugal foi publicado em julho desse ano com o título "O Veneno Perfeito"), reflete tais receios: conta a história de um cientista que desenvolveu um veneno indetetável utilizado pela Rússia para assassinar opositores políticos.
O livro foi inspirado no envenenamento do antigo agente duplo Sergei Skripal em Inglaterra, em 2018.
Outro caso de grande visibilidade é o do opositor russo Alexei Navalny, que foi vítima de envenenamento por Novitchok em agosto de 2020.
Moscovo sempre negou qualquer responsabilidade por parte dos seus serviços secretos, mas há muitos casos suspeitos entre outros ativistas e opositores russos.
Uma investigação sobre o alegado envenenamento da dissidente Natalia Arno, presidente da ONG Free Russia Foundation, está em curso nos Estados Unidos, mas também na Alemanha, onde Natalia Arno se encontrava pouco antes de uma viagem a Praga, a cidade onde sentiu os primeiros sintomas na primavera passada.
No mês passado, a jornalista russa Elena Kostioutchenko, radicada em Berlim depois de ter sido uma das principais figuras do meio de comunicação independente Novaia Gazeta, disse ao diário britânico The Guardian que adoeceu no ano passado, quando regressava de uma visita a Munique, na Baviera, e que suspeitava de envenenamento.
Antes de se dedicar à escrita, Sergueï Lebedev trabalhou como geólogo e depois como jornalista. A sua vocação de escritor nasceu verdadeiramente quando soube que o segundo marido da sua avó tinha sido comandante de um campo de trabalho soviético, uma notícia que o abalou profundamente.
"Como é que se digere isso, sabendo que havia um assassino na nossa família?", questiona-se.
"Percebi que a solução era escrever um romance", explica o autor de "La limite de l'oubli" ("O Limite do Esquecimento", em tradução livre), de 2010, um livro sobre o legado do sistema de campos de prisioneiros soviéticos que lançou a sua carreira literária.
A sua última obra é uma coleção de contos em que explora a relação tortuosa da Rússia com o seu passado soviético.
Lebedev já vivia em Potsdam, perto de Berlim, quando a invasão da Ucrânia, em fevereiro de 2022, o "chocou", disse.
"Eu era o mesmo idiota que muitos de nós, a pensar que Putin era um autocrata moderno, um ditador moderno e não o maníaco sanguinário que é", confessou o autor, que não antevê um fim rápido para o conflito.
"O mais difícil e problemático é que os russos se habituem a estar em guerra, mas que a vida continue a ser viável. E isso poderá continuar assim".
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