Relação UE-Varsóvia conturbada, mas eleição abre caminho à reconciliação

Depois de liderar o Conselho Europeu, Donald Tusk regressou à Polónia e conseguiu afastar o governo ultranacionalista e autoritário de Morawiecki, mas terá de lidar com o grande ceticismo contra a União Europeia e os migrantes que a direita criou.

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© Damian Lemański/Bloomberg via Getty Images

Lusa
21/10/2023 11:31 ‧ 21/10/2023 por Lusa

Mundo

Polónia

A relação conturbada recente entre União Europeia (UE) e Polónia ganhou novo fôlego com o provável regresso de Donald Tusk à liderança do governo polaco, mas o caminho para inverter as tendências eurocéticas polacas será longo e com obstáculos.

No último domingo, o partido conservador Lei e Justiça (PiS) foi o mais votado nas eleições legislativas polacas, mas a Coligação Cívica, que agrupa partidos liberais e é liderada por Tusk, ficou com caminho para uma maioria de 248 deputados, com apoio de outros partidos.

O regresso de Tusk, antigo primeiro-ministro polaco e presidente do Conselho Europeu, à liderança do país pode reencaminhar a Polónia para um percurso europeísta, mas para isso há diversos processos e 'braços-de-ferro' com a UE para resolver.

A determinação polaca e húngara em atrasar o pacto sobre as migrações

O mais recente capítulo do diferendo com Bruxelas foi durante a reunião informal do Conselho Europeu em Granada (Espanha), no início de outubro. Os líderes europeus antecipavam consensualizar posições, apesar de nestas reuniões informais não haver conclusões.

Mas Varsóvia e Budapeste optaram por continuar a arrastar o processo. Até a conferência de imprensa que estava prevista para abordar os avanços nas negociações foi cancelada e o primeiro-ministro polaco, Mateusz Morawiecki, escreveu na rede social X que "expressou fortemente" a sua posição e optou "por vetar a parte da declaração que dizia respeito às migrações".

Os líderes querem chegar a um acordo, possivelmente até ao final do ano, mas para Varsóvia o que está em discussão no Novo Pacto em matéria de Migração e Asilo é pouco e devem ser endurecidas as regras para evitar a entrada de refugiados e pessoas que atravessam irregularmente as fronteiras da UE.

O PRR descarrilou por decisão do Presidente

No início do ano, os milhares de milhões que a Polónia esperava receber do seu Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) encontraram no presidente, Andrzej Duda, um obstáculo.

Para receber os mais de 36 mil milhões de euros em empréstimos e subvenções, o governo polaco tinha acordado com Bruxelas prosseguir com reformas que mantenham os 27 países da UE alinhados democraticamente. A preocupação da Comissão prendia-se com algumas decisões políticas que colocavam em causa os princípios do Estado de direito.

Mas, em vez de promulgar a legislação, Andrzej Duda optou por enviá-la para o Tribunal Constitucional para avaliar a consonância entre as diretrizes da UE e a lei fundamental polaca.

Apesar de um aparente alinhamento entre o PiS e Duda, o Presidente, que está no último mandato, acabou por atrasar o dinheiro de que Varsóvia precisava para recuperar da pandemia.

Em causa estavam as alterações à legislação depois da consulta entre Varsóvia e Bruxelas que colocavam em causa alguns juízes nomeados pelo Presidente.

As nomeações de juízes sob influência do PiS

O grande conflito entre a Comissão Europeia e a Polónia tem por base a nomeação de juízes em violação da Constituição polaca. Bruxelas alertou em várias ocasiões que era necessária uma reforma do sistema judicial polaco e restaurar da sua independência, depois da intervenção do PiS, no poder desde 2015.

Em outubro de 2021, a Comissão Europeia avançou com uma multa de um milhão de euros contra a Polónia por desrespeito a uma ordem judicial da UE para suspender a legislação controversa que, entre outras decisões, permitia sancionar juízes que expressassem descontentamento com a seleção de alguns dos seus colegas, e que incentivava a tomada de decisões pela instância mais alta do Supremo Tribunal, alegadamente sob influência do Governo Morawiecki.

Em 2019, o Tribunal Europeu de Justiça deliberou que as reformas judiciais polacas infringiam o Estado de direito do bloco comunitário, alertando para a falta de independência e de imparcialidade do Supremo Tribunal.

Em causa estava a decisão de o Supremo suspender a aplicação de diretrizes europeias, que alguns tribunais tinham deliberado.

Varsóvia leva UE a tribunal por causa do clima

Em agosto deste ano, Varsóvia interpôs uma ação judicial contra Bruxelas por causa da adoção da legislação para enfrentar as alterações climáticas, nomeadamente a redução das emissões de gases com efeito de estufa para 55% até 2030 e a proibição de venda de automóveis com motores a combustão depois de 2035.

Mas Varsóvia contestou estas orientações - a seguir pelos 27 - e ameaçou rejeitá-las.

Em junho deste ano, a ministra do Ambiente polaca, Anna Moskwa, disse que o país discordava das orientações da Comissão e que iria levá-las ao Tribunal Europeu de Justiça.

A Polónia é, de longe, o Estado-membro da UE mais cético em relação às alterações climáticas, mais até do que a Hungria. O Governo chegou a dizer que Bruxelas queria alterar de maneira autoritária o modo de vida dos polacos, decidindo que tipo de automóveis podem conduzir, e encarecendo a energia para a população.

Varsóvia insiste que nesta matéria, que vai alterar o panorama energético e carbónico da UE, devia haver unanimidade pelas consequências na soberania dos Estados-membros.

A Comissão não arredou pé e deixou para o Tribunal Europeu da Justiça a decisão, advogando que a implementação da lei europeia é obrigatória para todos os Estados-membros e faz parte dos compromissos que cada país assumiu quando se juntou ao bloco político-económico.

Leia Também: Polónia. Analistas veem "geringonça" de Tusk como bom sinal para UE

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