A relação conturbada recente entre União Europeia (UE) e Polónia ganhou novo fôlego com o provável regresso de Donald Tusk à liderança do governo polaco, mas o caminho para inverter as tendências eurocéticas polacas será longo e com obstáculos.
No último domingo, o partido conservador Lei e Justiça (PiS) foi o mais votado nas eleições legislativas polacas, mas a Coligação Cívica, que agrupa partidos liberais e é liderada por Tusk, ficou com caminho para uma maioria de 248 deputados, com apoio de outros partidos.
O regresso de Tusk, antigo primeiro-ministro polaco e presidente do Conselho Europeu, à liderança do país pode reencaminhar a Polónia para um percurso europeísta, mas para isso há diversos processos e 'braços-de-ferro' com a UE para resolver.
It's official.
— POLITICOEurope (@POLITICOEurope) October 17, 2023
Opposition parties have secured victory over the nationalist Law and Justice party in the Polish general election, ushering in radical change for the country.
Here are the final results: https://t.co/JjA51jP5Xu pic.twitter.com/ivoFQngg4n
A determinação polaca e húngara em atrasar o pacto sobre as migrações
O mais recente capítulo do diferendo com Bruxelas foi durante a reunião informal do Conselho Europeu em Granada (Espanha), no início de outubro. Os líderes europeus antecipavam consensualizar posições, apesar de nestas reuniões informais não haver conclusões.
Mas Varsóvia e Budapeste optaram por continuar a arrastar o processo. Até a conferência de imprensa que estava prevista para abordar os avanços nas negociações foi cancelada e o primeiro-ministro polaco, Mateusz Morawiecki, escreveu na rede social X que "expressou fortemente" a sua posição e optou "por vetar a parte da declaração que dizia respeito às migrações".
Os líderes querem chegar a um acordo, possivelmente até ao final do ano, mas para Varsóvia o que está em discussão no Novo Pacto em matéria de Migração e Asilo é pouco e devem ser endurecidas as regras para evitar a entrada de refugiados e pessoas que atravessam irregularmente as fronteiras da UE.
O PRR descarrilou por decisão do Presidente
No início do ano, os milhares de milhões que a Polónia esperava receber do seu Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) encontraram no presidente, Andrzej Duda, um obstáculo.
Para receber os mais de 36 mil milhões de euros em empréstimos e subvenções, o governo polaco tinha acordado com Bruxelas prosseguir com reformas que mantenham os 27 países da UE alinhados democraticamente. A preocupação da Comissão prendia-se com algumas decisões políticas que colocavam em causa os princípios do Estado de direito.
Mas, em vez de promulgar a legislação, Andrzej Duda optou por enviá-la para o Tribunal Constitucional para avaliar a consonância entre as diretrizes da UE e a lei fundamental polaca.
Apesar de um aparente alinhamento entre o PiS e Duda, o Presidente, que está no último mandato, acabou por atrasar o dinheiro de que Varsóvia precisava para recuperar da pandemia.
Em causa estavam as alterações à legislação depois da consulta entre Varsóvia e Bruxelas que colocavam em causa alguns juízes nomeados pelo Presidente.
As nomeações de juízes sob influência do PiS
O grande conflito entre a Comissão Europeia e a Polónia tem por base a nomeação de juízes em violação da Constituição polaca. Bruxelas alertou em várias ocasiões que era necessária uma reforma do sistema judicial polaco e restaurar da sua independência, depois da intervenção do PiS, no poder desde 2015.
Em outubro de 2021, a Comissão Europeia avançou com uma multa de um milhão de euros contra a Polónia por desrespeito a uma ordem judicial da UE para suspender a legislação controversa que, entre outras decisões, permitia sancionar juízes que expressassem descontentamento com a seleção de alguns dos seus colegas, e que incentivava a tomada de decisões pela instância mais alta do Supremo Tribunal, alegadamente sob influência do Governo Morawiecki.
Em 2019, o Tribunal Europeu de Justiça deliberou que as reformas judiciais polacas infringiam o Estado de direito do bloco comunitário, alertando para a falta de independência e de imparcialidade do Supremo Tribunal.
Em causa estava a decisão de o Supremo suspender a aplicação de diretrizes europeias, que alguns tribunais tinham deliberado.
Varsóvia leva UE a tribunal por causa do clima
Em agosto deste ano, Varsóvia interpôs uma ação judicial contra Bruxelas por causa da adoção da legislação para enfrentar as alterações climáticas, nomeadamente a redução das emissões de gases com efeito de estufa para 55% até 2030 e a proibição de venda de automóveis com motores a combustão depois de 2035.
Mas Varsóvia contestou estas orientações - a seguir pelos 27 - e ameaçou rejeitá-las.
Em junho deste ano, a ministra do Ambiente polaca, Anna Moskwa, disse que o país discordava das orientações da Comissão e que iria levá-las ao Tribunal Europeu de Justiça.
A Polónia é, de longe, o Estado-membro da UE mais cético em relação às alterações climáticas, mais até do que a Hungria. O Governo chegou a dizer que Bruxelas queria alterar de maneira autoritária o modo de vida dos polacos, decidindo que tipo de automóveis podem conduzir, e encarecendo a energia para a população.
Varsóvia insiste que nesta matéria, que vai alterar o panorama energético e carbónico da UE, devia haver unanimidade pelas consequências na soberania dos Estados-membros.
A Comissão não arredou pé e deixou para o Tribunal Europeu da Justiça a decisão, advogando que a implementação da lei europeia é obrigatória para todos os Estados-membros e faz parte dos compromissos que cada país assumiu quando se juntou ao bloco político-económico.
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