O alerta hoje divulgado pela federação ILGA World - que agrega 1800 organizações de defesa dos direitos desta comunidade - surge na véspera de uma audiência prevista do Supremo Tribunal da Rússia para analisar um pedido de proibição do movimento LGBTI+.
A possibilidade da alta instância russa classificar o movimento LGBTI+ como uma organização extremista é um dos cenários possíveis, com a ILGA World a alertar num novo relatório que a legislação russa tem vindo a privar a liberdade de pessoas com base nas suas orientações sexuais.
Embora tecnicamente a Rússia continue a figurar na lista dos países que não criminalizam o sexo consensual entre adultos do mesmo sexo, o país tem, nos últimos anos, registado "um aumento preocupante dos ataques apoiados pelo Estado a pessoas com orientações sexuais, identidades e expressões de género diversas, bem como uma aparente política de perseguição de facto na República semiautónoma da Chechénia", referiu a ILGA World no relatório "Our Identities Under Arrest ("As nossas identidades sob prisão"), hoje divulgado.
A situação na Rússia é particularmente grave na região da Chechénia, onde a tradição de perseguição a pessoas LGBTI+ é mais intensa.
Segundo o relatório da federação ILGA World, a Chechénia instituiu em 1996 -- durante um período em que afirmou ser independente da Rússia -- um código penal baseado na lei islâmica que punia a "sodomia" consensual entre homens com penas de flagelação, espancamento e até morte por apedrejamento.
Embora estas disposições tenham sido em grande parte eliminadas durante o atual Governo pró-Rússia da Chechénia, continua a ser denunciada uma política de repressão generalizada.
A atitude não é só das autoridades, sublinhou a ILGA World, acrescentando que foram documentados "assassinatos por honra cometidos por familiares de homens gay e mulheres lésbicas".
Desde a invasão da Ucrânia pela Rússia, em fevereiro de 2022, também foram feitas alegações de que as autoridades chechenas pressionaram homens suspeitos de serem homossexuais a lutarem nas linhas da frente como alternativa ao encarceramento ou a serem expostos aos seus familiares.
A nível nacional, o Governo federal fez pouco para intervir na Chechénia e, nos últimos anos, adotou uma série de leis destinadas a restringir a proteção contra a discriminação e o acesso a serviços para pessoas de diversas orientações sexuais.
No ano passado, a legislação russa foi alterada para passar a punir qualquer "propaganda de relações e/ou preferências sexuais não tradicionais ou mudança de sexo", estendendo as proibições existentes para menores a conteúdos distribuídos mesmo entre adultos, denunciou o documento da ILGA World.
Sob esta nova versão da lei, "a mera possibilidade de que um menor poder deparar-se com conteúdos proibidos é, muitas vezes, suficiente para resultar em multa ou outras penas", indicou a federação.
As acusações de "propaganda" dirigida a menores levou a que vários pais gays ou transgénero vissem os seus filhos serem raptados ou ameaçados pelo Estado. E depois de notícias de que um comité de investigação estava a planear prender pais gays com filhos adotivos ou enteados, algumas famílias fugiram do país.
Mas os esforços para restringir legalmente ainda mais os direitos das pessoas LGBTQI+ continuam, de acordo com a ILGA World.
Já este ano, o parlamento decidiu, por maioria esmagadora, proibir o reconhecimento legal de mudança de género e os serviços médicos de afirmação de género para pessoas trans, enquanto o Ministério da Justiça adicionou a Rede LGBT russa e os seus membros a uma lista nacional de "agentes estrangeiros".
Esta classificação significa um maior escrutínio estatal, limitações à capacidade do grupo de operar e de aceder a financiamento e até buscas indiscriminadas da polícia.
Desde então, vários outros grupos também foram considerados "agentes estrangeiros", incluindo o Grupo SOS do Norte do Cáucaso, o Projeto Boys Plus e a Aliança para Heterossexuais e LGBT pela Igualdade em 2023.
Caso o Supremo Tribunal russo decida, na quinta-feira, classificar o movimento LGBTI+ como extremista, a consequência será a sua proibição no país, como defendeu o Ministério da Justiça.
Leia Também: Rússia. Ativistas queer temem perseguição perante decisão judicial