"Javier Milei está a formar a sua equipa como um cirurgião a ponto de operar. Procura o melhor instrumentalista, o melhor anestesista, os melhores assistentes, as melhores enfermeiras. Mas nada disso garante que o corpo do paciente resista à operação. Nesta metáfora, o corpo não é o país nem o sistema político; é a opinião pública. Por melhor que seja, nada garante que a sociedade aguente o que vem pela frente, mesmo que tenha votado nele para isso. Quanta dor os argentinos ainda podem aguentar?", questiona à Lusa o analista político Jorge Giacobbe, especialista em opinião pública.
"Nas nossas sondagens, mais de 70% da população desejava uma viragem para o centro-direita e à direita, mais de 60% querem uma redução Estado, mas também mais de 60% não querem pagar mais impostos. O poder de um Presidente está nessa tolerância social", acrescenta Giacobbe.
Javier Milei assume o Governo no próximo dia 10, prometendo uma terapia de choque, com cortes drásticos nos gastos públicos. O objetivo é um défice orçamental zero, cortando os 5% de défice do Tesouro e mais 10% em passivos remunerados do Banco Central, o que o próprio Javier Milei diz ser uma bomba prestes a explodir que precisa ser desativada antes de tornar-se uma hiperinflação.
"Se não fizermos um ajustamento, a explosão será enorme. Não há alternativa para evitar uma hiperinflação. Quando fizermos essa arrumação orçamental, a atividade económica será afetada. Entraremos em recessão combinada com alta inflação pelos próximos seis meses, até estabilizarmos a economia. O dinheiro acabou para todos, menos para a área social para dar apoio aos atingidos", avisou o Presidente eleito, acrescentando que "o resultado do desastre económico que herda do atual Governo implica que a inflação ainda vai continuar alta pelos próximos 18 a 24 meses".
Segundo o próprio Javier Milei, um economista, mesmo com ajustes fiscais, a inflação de novembro rondará os 15% e a de dezembro deve superar os 20%, um ritmo que, anualizado, implica uma inflação de 300%, o dobro dos atuais 143%.
"Javier Milei foi eleito basicamente para resolver a bagunça gerada pela inflação. Se ele solucionar isso ou não, será castigado ou premiado pela opinião pública. Essa é a principal métrica para medir o seu governo", aponta Jorge Giacobbe.
Milei tem o desafio de estabilizar uma economia em agonia num curto período sob risco de perder o apoio de boa parte dos seus eleitores, já no limite da tolerância financeira. A perda do seu próprio eleitorado elevaria a pressão que movimentos sociais e sindicais ameaçam deflagrar pelo país caso as reformas do novo Governo impliquem perdas salariais ou perdas de direitos.
"Todas as nossas advertências sobre ajustes na economia, sobre privatizações e sobre reforma laboral estão perto de acontecer. Para além de sermos respeitosos da decisão democrática do povo argentino (que elegeu Javier Milei como Presidente), para nós, não há um projeto de país que seja com menos trabalhadores e que não gere desenvolvimento a partir do Estado como instrumento de distribuição", advertiu Rodolfo Daer, membro da diretoria da Confederação Geral do Trabalho, a principal central de trabalhadores, ligadas ao Peronismo, opositor a Milei.
Mais explícito, Eduardo Belliboni, um dos líderes do movimento social de desempregados que recebem assistência social, convocou manifestações para os dias 19 e 20 de dezembro.
"Eu quero que o governo de Milei se saia muito mal", admitiu Belliboni.
"O que fazer para que, na sua primeira fase de governo, Javier Milei consiga uma implosão controlada? Milei terá de acertar desde o começo. Não terá margem para erro. Ele tem razão quando diz que é o primeiro Presidente que anuncia um ajuste e, mesmo assim, é eleito. As pessoas querem uma mudança profunda, mas quanto podem aguentar?", indaga à Lusa o analista político, Patricio Giusto, diretor da consultora Diagnóstico Político.
"Estamos perante uma situação extremamente delicada. Se o ajuste for desordenado, as consequências sociais serão dantescas. Se for ordenado, as consequências serão negativas, mas transitórias", explicou o Presidente.
"O atual capital político do Presidente é grande, mas pode rapidamente ser dilapidado se errar. A sua base de sustentação são jovens que vão defendê-lo nas ruas, mas Milei também foi eleito por pobres e a paciência desse segmento será bem mais curta. Podem somar-se às manifestações dos movimentos sindicais e políticos que vão resistir ao governo Milei desde o começo. Estamos nessa tensa calma à espera da tormenta", observa Giusto.
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