As críticas do secretário-geral da ONU - eleito personalidade internacional de 2023 pelos jornalistas da Lusa - às políticas israelitas para os territórios palestinianos ocupados levaram Israel a pedir a sua demissão, mas também trouxeram fortes apoios da parte de outros países, incluindo de parceiros europeus de Telavive, caso de Portugal.
O ataque sem precedentes de 07 de outubro do grupo islamita palestiniano Hamas a Israel, marcado pela morte de 1.200 pessoas, e a implacável resposta das forças israelitas na Faixa de Gaza voltaram a colocar os olhares internacionais na ONU e em Guterres que transmitiu, quase diariamente e ao longo dos últimos dois meses de conflito, apelos para um cessar-fogo urgente e imediato, mas também alertas de uma iminente "catástrofe humanitária".
O secretário-geral das Nações Unidas afirmou que a guerra entre Israel e o Hamas transformou Gaza "num cemitério de crianças" palestinianas e, numa reunião do Conselho de Segurança da ONU em outubro, disse que os ataques do grupo islamita "não vieram do nada", lembrando que os palestinianos foram "sujeitos a 56 anos de ocupação sufocante".
Estas declarações desencadearam duras críticas de Israel a Guterres. O Governo israelita pediu a sua demissão do cargo de secretário-geral da ONU por considerar que defendeu e justificou as ações do Hamas, um grupo considerado terrorista por Telavive, mas também pela União Europeia (UE) e pelos Estados Unidos.
Após as críticas israelitas, seguiu-se uma onda de apoio ao secretário-geral, não apenas no seio das Nações Unidas, mas também de várias organizações internacionais e de Governos à escala mundial.
Perante a degradação da situação humanitária em Gaza, da recente quebra de uma trégua e do intensificar da ofensiva israelita no pequeno enclave palestiniano, António Guterres decidiu usar o instrumento diplomático mais poderoso que tem a sua disposição.
Pela primeira vez desde que assumiu a liderança da ONU, em 2017, invocou na semana passada o artigo 99.º da Carta das Nações Unidas que afirma que o secretário-geral "pode chamar a atenção do Conselho de Segurança para qualquer assunto que, na sua opinião, possa ameaçar a manutenção da paz e segurança no mundo".
Face à magnitude da perda de vidas humanas em Gaza e em Israel num tão curto espaço de tempo, Guterres enviou uma carta inédita ao Conselho de Segurança, na qual pedia que se evitasse uma catástrofe humanitária em Gaza, reiterando os apelos por um cessar-fogo que trave "implicações potencialmente irreversíveis" para os palestinianos.
Tal iniciativa resultou em novas críticas de Israel, que acusou o secretário-geral de "um novo nível de baixeza moral" por pedir um cessar-fogo em Gaza e avaliou o seu mandato como "um perigo para a paz mundial".
No seguimento do apelo inédito de Guterres, o Conselho de Segurança reuniu-se na passada sexta-feira, mas os Estados Unidos (um dos membros permanentes do órgão e com poder de veto) vetaram um projeto de resolução que exigia um cessar-fogo humanitário imediato.
Mas outros factos, decisões e declarações marcaram o mais recente percurso de Guterres, um ex-primeiro-ministro português e um antigo Alto-comissário da ONU para os Refugiados que enquanto secretário-geral da ONU traçou como prioridades a emergência climática, a promoção da igualdade de género, o alcançar reformas institucionais ambiciosas, o desenvolvimento sustentável, os direitos humanos e a ajuda humanitária.
A invasão da Ucrânia pela Rússia, em fevereiro de 2022, mostrou ser um teste não só aos alicerces da ONU, como também ao mandato do próprio secretário-geral, que foi várias vezes acusado de "passividade" em tomar medidas concretas para travar a guerra e de ser muito complacente com os russos.
Assegurando que não trabalha "para brilhar" na imprensa, Guterres desempenhou um importante papel na troca de prisioneiros em Mariupol e direcionou os seus esforços para a concretização do Acordo dos Cereais do Mar Negro (entretanto sem efeito), para a exportação de cereais e fertilizantes ucranianos e russos para os mercados globais, contribuindo para a redução dos preços dos alimentos à escala global.
Recentemente, antes de voar até ao Dubai para a 28.ª Conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (COP28), António Guterres fez um novo alerta perante a possibilidade de um "desastre total", caso a temperatura global aumente. Mas também deixou críticas, ao defender que há falta de vontade política para acelerar o combate às alterações climáticas.
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