Raz Segal, um historiador israelita residente nos Estados Unidos e que lidera programas universitários sobre o Holocausto e Genocídio, foi um dos oradores convidados do evento "Guerra em Gaza 2023: A responsabilidade de Prevenir o Genocídio", organizado pelo Comité da ONU para o Exercício dos Direitos Inalienáveis do Povo Palestiniano, e que apontou uma série de afirmações de autoridades israelitas que assumiram a intenção de destruir completamente "um inimigo considerado o mal supremo", neste caso, o povo palestiniano, a quem Israel acusa de estar intimamente associado ao Hamas.
De acordo com o perito, além de causar sérios danos corporais ou mentais ao povo palestiniano, com uma agressão que levou já à morte de mais de 18 mil pessoas, Israel está também a "infligir deliberadamente ao grupo condições de vida calculadas para provocar a sua destruição física, no todo ou em parte", um dos atos que se enquadram na definição de genocídio.
Segundo o direito internacional, o crime de genocídio é definido pela "intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso", conforme observado na Convenção das Nações Unidas sobre Prevenção e Punição do Crime de Genocídio, de dezembro de 1948.
A Convenção das Nações Unidas sobre Genocídio indica cinco atos que se enquadram na definição deste crime. Segundo os peritos hoje ouvidos, Israel está atualmente a perpetrar três destes crimes em Gaza: "assassínio de indivíduos de um grupo; causar graves danos corporais ou mentais aos membros do grupo; e infligir deliberadamente ao grupo condições de vida calculadas para provocar a sua destruição física, total ou parcial".
???? Além disso, os ataques de Israel a universidades, escolas, hospitais, mesquitas, igrejas, padarias e campos agrícolas, segundo o historiador israelita, "enquadram-se perfeitamente no objetivo do cerco total para criar uma grave insegurança alimentar".
"O bombardeamento de campos agrícolas também demonstra que Israel não pretende que os palestinianos possam voltar a viver em Gaza", observou Segal.
Para os soldados e oficiais do exército israelita, não há civis inocentes em Gaza, com as crianças palestinianas a representarem "terroristas", pelo que querem "queimar Gaza até que não reste nenhum vestígio dela", acrescentou.
"É nossa responsabilidade urgente e é obrigação dos Estados, nos termos da Convenção das Nações Unidas sobre o Genocídio, prestar atenção a estes avisos e agir agora para parar e prevenir o genocídio", apelou Raz Segal.
Também a consultora jurídica de Direito para a Palestina, Hannah Bruinsma, salientou a importância do evento, especialmente num momento em que as pessoas que se têm manifestado contra o crime de genocídio "estão sob ataque", entre eles, ativistas de direitos humanos ou académicos.
"Eles enfrentam a ameaça de serem demitidos, silenciados ou até mortos. E isto não está a acontecer apenas nos territórios palestinianos ocupados. Também está acontecendo na Europa e aqui nos Estados Unidos", denunciou.
Hannah Bruinsma criticou o "fracasso da comunidade internacional" em responsabilizar Israel pela impunidade ao longo de décadas de crimes internacionais, "incluindo o crime do 'apartheid' acumulado nos últimos meses de violência horrível, incluindo crimes de guerra, crimes contra a humanidade e genocídio (...), porque o que estamos a testemunhar agora é um crime de genocídio", defendeu.
"De acordo com a nossa investigação jurídica e comparando-a com os factos no terreno, chegámos à conclusão de que o Israel está a infligir deliberadamente três condições ao povo palestiniano" que configuram genocídio, advogou.
Ainda de acordo com a consultora jurídica, normalmente, a intenção de destruir e horrorizar um grupo específico é difícil de provar, mas, neste caso, a intenção dos líderes israelitas, nomeadamente do primeiro-ministro, do Presidente, e de líderes militares, tem sido "muito explícita", estando presente em centenas de declarações recolhidas pelo seu grupo de trabalho.
Já Katherine Gallagher, advogada do Centro de Direitos Constitucionais, refletiu que o procurador do Tribunal Penal Internacional tem a capacidade de emitir mandados de detenção para aqueles que cometem - e para aqueles que ajudam e são cúmplices do -crime de genocídio, mas salientou a responsabilidade dos Estados em tomar todas as medidas para a punição daqueles que cometem genocídio, assim como evitar que esse crime seja cometido.
"E isso inclui parar as transferências de armas e punir os Estados e indivíduos que fazem tais transferências. Portanto, temos a capacidade de fazer algo agora para salvar vidas humanas", instou.
Katherine Gallagher exortou os Estados-Membros a encararem as declarações feitas por autoridades israelitas "não como mera retórica, mas como confissões de intenção criminosa".
"As autoridades israelitas disseram o que queriam dizer e fizeram o que disseram que fariam. Assistimos a um cerco total que resultou na morte de crianças e a uma infraestrutura médica dizimada. (...) Temos a intenção e temos as ações de genocídio", afirmou.
A advogada sublinhou que quando os países continuam a fornecer apoio e assistência a outros Estados que cometem genocídio, "passam indiscutivelmente a ser cúmplices de genocídio", implicando diretamente os Estados Unidos, um dos maiores aliados de Israel.
A guerra entre Israel e o Hamas começou em 07 de outubro, quando o grupo islamita atacou, de surpresa e com uma força inédita, o território israelita, matando, segundo as autoridades de Telavive, 1.200 pessoas, na sua maioria civis, e fazendo mais de 200 reféns.
Em retaliação, Israel tem bombardeado Gaza e bloqueou a entrada de bens essenciais como água, medicamentos e combustível.
Embora os dois lados tenham feito uma trégua de alguns dias para troca de prisioneiros e reféns, bem como para permitir o acesso de ajuda humanitária, os últimos dados atualizados das autoridades de Gaza, território controlado pelo Hamas desde 2007, apontam para mais de 18 mil mortos e 50 mil feridos no enclave palestiniano.
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