Em entrevista à Lusa, Joana Feliciano, responsável de Marketing e Comunicação do organismo, salientou o caso de Moçambique, país atingido pela instabilidade desencadeada por grupos armados combinada com desastres naturais, de que resultaram mais de um milhão de pessoas deslocadas internamente nos distritos norte e central.
"Moçambique é um dos países mais afetados no mundo por alterações climáticas. Em 31 de março de 2022, o ACNUR declarou uma Emergência de Nível 2 para Moçambique, a terceira declaração de emergência nos últimos quatro anos, após o ciclone tropical Gombe ter causado danos significativos e provocado mais de 700 mil deslocados internos", destacou.
Em 2024, quase 300 milhões de pessoas em todo o mundo necessitarão de assistência e proteção humanitária, devido a conflitos, emergências climáticas e outros fatores, sendo que 74,1 milhões dessas pessoas estão na África Oriental e Austral.
Segundo a ONU, a crise no Sudão é responsável por quase 40% desse total, tendo as necessidades do país e da região aumentado desde que o conflito eclodiu em abril deste ano.
"O Sudão está a registar um aumento vertiginoso das necessidades, de 15,8 milhões de pessoas em 2023 para uns impressionantes 30 milhões de pessoas em 2024. Na África Ocidental e Central, 65,1 milhões de pessoas estão em necessidade, e as crises no Burkina Faso e no Níger expandiram-se e intensificaram-se, impulsionando o aumento das necessidades em comparação com 2023", explicou a ONU no relatório "Visão Global Humanitária 2024", divulgado no passado dia 11.
A Etiópia foi o país africano alvo do maior apelo da ONU para 2024, 2,9 mil milhões de dólares (2,69 mil milhões de euros), seguindo-se o Sudão do Sul e o Sudão, 1,5 mil milhões de dólares (1,39 mil milhões de euros) e 1,3 mil milhões de dólares (1,2 mil milhões de euros), respetivamente.
Os conflitos, desastres climáticos e desastres naturais - como os que afetaram fortemente Moçambique - e fatores económicos são os três principais impulsionadores dessas necessidades que, combinados, fizeram a insegurança alimentar aguda tornar-se uma realidade para 258 milhões de pessoas em 58 países.
Sem esforços internacionais concertados, as perspetivas de segurança alimentar deteriorar-se-ão ainda mais em 2024, com o Burkina Faso, o Mali, o Sudão do Sul e o Sudão no mais alto nível de preocupação para a organização internacional.
Ao nível global, o ACNUR contabilizou em outubro passado um recorde de 114 milhões de pessoas deslocadas num só ano.
"Nós estamos a falar de pessoas deslocadas à força. Apoiamos e trabalhamos para ajudar estas pessoas, sejam elas refugiadas, deslocadas internas, repatriados, apátridas, requerentes de asilo ou mesmo outras pessoas com necessidades de proteção internacional", detalhou Joana Feliciano.
"Tivemos um aumento de 4 milhões em relação a junho e pensamos que em apenas três meses isto quer dizer que mais de uma em 73 pessoas é um deslocado e procura segurança e assistência, às vezes sem poder recomeçar a sua vida de novo", salientou.
Joana Feliciano frisou que os deslocados são atingidos por "situações que duram há demasiado tempo e que são bastante complexas".
"Estas pessoas movem-se muito forçadas pela dimensão do seu desespero e pela própria pobreza", disse, salientando o trabalho de mobilização de recursos e donativos, para conseguir "garantir a resposta humanitária para apoiar essas pessoas".
O subfinanciamento para fazer face às emergências - em 2023 levou a que fossem alcançadas menos de dois terços das pessoas necessitando de ajuda - é a principal ameaça à intervenção do ACNUR, disse, considerando o caso de Moçambique paradigmático.
O plano de resposta para 2024 inclui 413,4 milhões de dólares (383,7 milhões de euros) para Moçambique, montante que visa ajudar 1,7 milhões de pessoas de um total de 2,3 milhões em necessidade.
Para 2023, as Nações Unidas haviam pedido 512,9 milhões de dólares (476 milhões de euros) para Moçambique -- o único país lusófono visado no apelo -, mas esse requerimento foi financiado em apenas 36%, segundo o relatório.
"Isto acaba por ter um impacto na capacidade de conseguir assegurar que as pessoas estão a salvo, que não existem violações de direitos humanos e, com isso, a perda de vidas, o que é horrível, porque estamos a falar da pessoa sobreviver ou não", lamentou.
"Temos consciência que as crises humanitárias durarão cada vez mais tempo e é necessário concentrar também a atenção em soluções a longo prazo. Claro que o ACNUR, apesar de trabalhar em soluções a longo prazo, não pode minimizar e fechar os olhos a necessidade de uma resposta imediata", porque "é vital para garantir que a ajuda humanitária chegue onde é mais urgente, onde é mais necessária", concluiu.
A Fundação Portugal com ACNUR, parceiro nacional daquela agência da ONU, foi criada em 2021 e tem como objetivo sensibilizar e angariar fundos para apoio aos programas de ajuda humanitária da instituição.
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