Israel. Falta de financiamento à UNRWA terá "consequências terríveis"
O investigador norueguês Jorgen Jensehaugen defendeu hoje que a trágica situação na Faixa de Gaza ganhará proporções ainda piores se a população local se vir privada do apoio da Agência da ONU para Refugiados Palestinianos (UNRWA).
© JAAFAR ASHTIYEH/AFP via Getty Images
Mundo Israel/Palestina
Numa entrevista à agência Lusa, o investigador do Instituto de Investigação da Paz de Oslo e especialista em conflitos israelo-árabes a situação irá "para além do trágico" se a UNRWA entrar em colapso e se os doadores não repuserem rapidamente o financiamento à organização, que viu alguns membros serem acusados de envolvimento nos ataques do Hamas a Israel, a 07 de outubro de 2023.
Se a UNRWA entrar em colapso, a situação será ainda mais difícil, porque a organização é um dos mais importantes fornecedores de infraestruturas no terreno, responsável pelas escolas, por grande parte dos cuidados de saúde, por grande parte do abastecimento alimentar na Faixa de Gaza.
"Sem ela, muitas das estruturas humanitárias de Gaza desmoronar-se-ão", alertou.
Para Jensehaugen, "é um pouco errado" pensar que o Hamas está infiltrado na UNRWA, uma vez que, acredita, alguns dos seus funcionários podem ter-se juntado ou simpatizado com o Hamas.
"E é importante sublinhar 'podem-se', porque se trata de alegações que estão a ser investigadas", acrescentou, sendo essa a razão pela qual considera ser "um pouco difícil" saber exatamente o nível de envolvimento e como funcionou.
Questionado sobre as alegações de, também aqui, o Irão estar envolvido, Jensehaugen admitiu que existe um consenso geral de que a República Islâmica está envolvida no financiamento, armamento e formação do Hamas e da Jihad Islâmica, mas não diretamente no ataque de 07 de outubro.
"Mas há muita informação que permanece obscura neste domínio. Há uma tendência para culpar o Irão, mesmo quando o seu envolvimento é indireto. Mas cortar o apoio e o direito de punir o envolvimento de 12 indivíduos [funcionários do UNRWA] no ataque de 07 de outubro é semelhante à punição coletiva dos palestinianos", afirmou.
"É claro que as acusações contra esses 12 funcionários são muito, muito graves. Mas ao cortar a ajuda, os doadores estão, no fundo, a castigar 5,8 milhões de palestinianos, e especialmente os de Gaza, onde a situação é extremamente grave. E a UNRWA em Gaza é o mais importante fornecedor de ajuda. Por isso, as consequências serão terríveis, terríveis", acrescentou.
Segundo Jensehaugen, o tema já se tornou "demasiado politizado" e muitos Estados, 16, estão contra a UNRWA, mas o facto de os relatores da ONU insistirem que o dinheiro tem de voltar a ser canalizado para a agência da ONU "é uma indicação da terrível situação na Faixa de Gaza".
"O tipo de crise em que nos encontramos atualmente significa que estas duas pressões colidem basicamente e é difícil dizer se os governos vão começar a dar dinheiro à UNRWA. Se as verbas não voltarem, a organização poderá ir à falência até ao final de fevereiro, o que terá consequências terríveis numa situação já de si desastrosa", alertou.
Instado pela Lusa sobre se acredita que o fim do conflito estará ainda longe, Jensehaugen respondeu ser "muito difícil dizer exatamente" quando tal acontecerá.
"Atualmente, estão em curso negociações sérias sobre um cessar-fogo, mas trata-se de um cessar-fogo temporário. E os objetivos de guerra israelitas estão fixados a um nível tão irrealista. E com a atitude atual de Israel, é realmente muito difícil ver uma possibilidade de acabar com este conflito", sustentou.
Jensehaugen realçou que "toda a Faixa de Gaza foi mais ou menos destruída", pelo que a guerra terá de acabar a qualquer altura, o que leva a uma nova questão, o pós-conflito, análise que tem de ser vista a partir de duas premissas.
Uma é a reconstrução de Gaza, e o que normalmente acontece em rondas anteriores é que Israel restabelece o bloqueio a Gaza, pelo que, o que entra no enclave palestiniano "é muito limitado" e tem de passar pelos controlos israelitas.
"O nível de destruição desta vez é de uma escala completamente diferente e serão necessários muitos fundos para reconstruir Gaza, e é muito difícil dizer quem fará isso, e quem e como serão implementados os mecanismos de controlo do que entra em Gaza", explicou.
"E depois, em segundo lugar, quem é que vai administrar a Faixa de Gaza. É muito claro que Israel não aceita o Hamas. Também não aceitará que a Autoridade Palestiniana [AP] assuma o controlo. E a AP vai ter muita dificuldade em assumir o controlo da Faixa de Gaza montada no tanque israelita, tal como foi formulado.
Porque se eles entrarem e tomarem o controlo da Faixa de Gaza, isso será visto como o resultado da guerra israelita contra Gaza", acrescentou Jensehaugen.
O analista do Instituto de Investigação de Paz de Oslo frisou que, a esse nível, há mais perguntas que respostas, dando como exemplo a dificuldade em definir quem irá, de facto, tomar militarmente conta da Faixa de Gaza e o que fazer com a população local.
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