Quase dois anos de guerra na Ucrânia. Eis a cronologia da invasão russa
Na madrugada de 24 de fevereiro de 2022, o Conselho de Segurança assistiu à invasão russa da Ucrânia com os embaixadores reunidos para discutir a paz no país, num dos momentos mais insólitos da história deste órgão da ONU.
© State Emergency Service of Ukraine / Handout/Anadolu Agency via Getty Images
Mundo Ucrânia/Rússia
O salão do Conselho de Segurança das Nações Unidas era palco na noite de 23 de fevereiro de 2022, em Nova Iorque - madrugada de 24 de fevereiro na Europa -, da segunda reunião de emergência da semana sobre a iminência de uma invasão russa, com a presença do secretário-geral, António Guterres, que pedia ao Presidente russo, Vladimir Putin, que desse "à paz uma oportunidade".
Contudo, os guiões preparados pelos embaixadores para aquela sessão - repletos de apelos - rapidamente ficaram invalidados pela própria realidade, com Putin a anunciar, em simultâneo com a reunião, o início de uma "operação militar especial" na Ucrânia, com as tropas russas a avançarem pela fronteira ucraniana. Com um burburinho instalado na sala, e os olhos postos nos telemóveis, vários embaixadores foram tomando a palavra pela segunda vez na noite para criticar o "desdém" da Rússia pelo Conselho de Segurança.
O 'timing' de Putin chocou os diplomatas, especialmente após o embaixador russo junto da ONU, Vasily Nebenzya, ter passado semanas a negar que a invasão aconteceria e a ridicularizar os Estados ocidentais pelos seus avisos "histéricos" de uma invasão iminente. Eis a cronologia dos eventos que levaram a uma das reuniões mais insólitas do Conselho de Segurança da ONU:
31 de janeiro de 2022: Conselho de Segurança reúne-se, por iniciativa dos Estados Unidos, para dar o alarme sobre a escalada militar da Federação Russa perto da Ucrânia. A missão russa junto da ONU opôs-se à realização da reunião, chamando-a de um exemplo de "diplomacia de megafone" destinada a "incitar à histeria".
17 de fevereiro de 2022: Conselho de Segurança volta a reunir-se, com a subsecretária-geral para Assuntos Políticos e de Consolidação da Paz da ONU, Rosemary DiCarlo, a alertar que "as tensões dentro e ao redor da Ucrânia estão mais altas do que em qualquer momento desde 2014".
21 de fevereiro de 2022: Conselho de Segurança reúne-se de emergência após o reconhecimento unilateral por Moscovo da "independência" das regiões ucranianas de Donetsk e Lugansk naquele mesmo dia.
"O risco de um grande conflito é real e precisa de ser evitado a todo o custo", disse Rosemary DiCarlo, lembrando aos membros do Conselho que a decisão da Rússia "violou a integridade territorial e a soberania da Ucrânia" e corre o risco de desencadear repercussões regionais e globais.
O embaixador russo critica, na reunião, o "pânico infundado gerado nas últimas semanas em torno dos alegados planos da Rússia para uma invasão iminente da Ucrânia".
23 de fevereiro: Assembleia-Geral da ONU reúne-se de manhã para discutir os recentes desenvolvimentos no leste da Ucrânia. O secretário-geral, António Guterres, diz no seu discurso que os Estados-Membros estavam a reunir-se "face à mais grave crise global de paz e segurança dos últimos anos".
21h32 (hora local, 02:32 em Lisboa): o representante permanente da Rússia junto da ONU, Vasily Nebenzya, toma o assento como presidente do Conselho de Segurança para o mês de fevereiro e, sentado entre Guterres e DiCarlo, dá início a uma reunião de emergência do Conselho de Segurança sobre a Ucrânia.
21h35: Guterres toma a palavra: "O dia de hoje esteve cheio de rumores e indícios de que uma ofensiva contra a Ucrânia era iminente. Num passado recente, houve várias situações com indícios semelhantes, rumores semelhantes. E nunca acreditei neles, convencido de que nada de grave aconteceria. Eu estava errado. E eu gostaria de não estar errado novamente hoje. Portanto, se de facto uma operação está a ser preparada, só tenho uma coisa a dizer do fundo do meu coração: Presidente Putin, impeça as suas tropas de atacarem a Ucrânia. Dê à paz uma oportunidade. Muitas pessoas já morreram", disse, com os olhos postos na câmara.
21h37: Rosemary DiCarlo faz um apelo de última hora à diplomacia: "O Presidente Putin falou sobre a sua disponibilidade contínua para encetar o diálogo. Encorajamos esses esforços, mesmo a esta hora tardia", disse.
21h50: Vladimir Putin faz um discurso anunciando estar a "conduzir uma operação militar especial para proteger as pessoas que foram submetidas a abusos e genocídio pelo regime de Kiev durante oito anos", repetindo afirmações infundadas sobre região de Donbass, apoiada pelos separatistas russos.
O Presidente russo negou, no entanto, que a Rússia estivesse a planear ocupar territórios ucranianos: "Não vamos impor nada a ninguém pela força."
22h00: As missões diplomáticas presentes no Conselho de Segurança começam a receber notificações nos seus telemóveis, mas os embaixadores prosseguem os seus discursos preparados com apelos à contenção da Rússia, apesar de a guerra já estar em marcha.
22h07: As forças russas lançam uma série de ataques com mísseis contra locais próximos a Kiev, bem como o uso de artilharia de longo alcance contra a cidade de Kharkiv, no nordeste, perto da fronteira russa.
Cerca de 22h35: Vasily Nebenzya toma a palavra durante a reunião do Conselho de Segurança e, após tecer críticas ao ocidente e acusar a Ucrânia de ser responsável pela "crise" no país, o embaixador transmite ao corpo diplomático que Putin havia acabado de anunciar uma operação militar no Donbass.
"Ainda não sabemos todos os detalhes, mas deixem-me dizer-vos brevemente: o que se sai claramente da sua mensagem é que a ocupação da Ucrânia não faz parte do nosso plano. O objetivo desta operação especial é a proteção das pessoas que foram vítimas e expostas ao genocídio pelo regime de Kiev", disse.
"Há muitas informações recebidas sobre esse assunto que ainda não foram verificadas. Nós iremos manter-vos atualizados", concluiu Nebenzya.
22h40: O embaixador da Ucrânia nas Nações Unidas, Sergiy Kyslytsya, é o primeiro diplomata a admitir que o discurso que havia preparado se tornou "inútil", uma vez que a guerra estava já em curso.
"É tarde demais, queridos colegas, para falar sobre desescalada. Tarde demais. O Presidente russo declarou guerra. Devo reproduzir o vídeo do seu Presidente?", questionou Kyslytsya, visivelmente abalado, dirigindo-se diretamente a Nebenzya.
O embaixador ucraniano cita a Carta da ONU e as regras de que apenas Estados amigos da paz seriam admitidos no Conselho de Segurança e, posteriormente, pediu ao embaixador russo que renunciasse ao seu papel como presidente do conselho.
22h45: Nebenzya confirma não ter mais informações para fornecer ao Conselho e faz um pedido ao homólogo ucraniano: "Não chame isto de guerra, é uma operação militar especial no Donbass".
22h50: A embaixadora norte-americana junto da ONU, Linda Thomas-Greenfield, pede para falar pela segunda vez na reunião, para expressar o seu sentimento de revolta pelo "desdém" de Putin pelo Conselho de Segurança.
"No exato momento em que estávamos reunidos no Conselho em busca da paz, Putin transmitiu uma mensagem de guerra com total desdém pela responsabilidade deste Conselho", disse a representante norte-americana, acrescentando: "Esta é uma emergência grave".
Cerca de uma hora e meia após o seu início, a reunião do Conselho de Segurança foi encerrada e, em declarações à imprensa no final da mesma, António Guterres classificou o início da guerra como o "momento mais triste" do seu mandato como secretário-geral da ONU.
À luz dos desenvolvimentos, o chefe das Nações Unidas dirigiu-se a Putin: "Em nome da humanidade, traga as suas tropas de volta à Rússia".
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