Morte de Navalny sinaliza fim de aspiração democrática, diz analista

O especialista em assuntos russos Marek Menkiszak considera que Vladimir Putin calculou como baixo o risco decorrente da morte do opositor Alexei Navalny, com a qual anulou aspirações de democracia na Rússia, em vésperas de uma "farsa" eleitoral.

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© REUTERS/Hollie Adams

Lusa
10/03/2024 09:36 ‧ 10/03/2024 por Lusa

Mundo

Marek Menkiszak

Em entrevista à Lusa, o diretor do Departamento da Rússia do Centro de Estudos de Leste (OSW, na sigla em polaco), um 'think thank' com sede em Varsóvia, afirma que, antes do que chama "simulacro de eleições", previstas para decorrer entre 15 e 17 de março, o Presidente russo sente-se agora "mais seguro", tendo calculado eventuais efeitos adversos relacionados com o desaparecimento de Navalny e que estes foram estimados como baixos.

Apesar da falta de dados sobre as reais causas da morte de Navalny, em 16 de fevereiro numa prisão no Ártico, e independentemente de ter sido dada ou não uma ordem direta do Kremlin para a sua eliminação, Marek Menkiszak adverte que os longos anos em que o opositor esteve detido, com o seu estado de saúde deteriorado e em condições desumanas, tornam o Presidente russo responsável, sendo no mínimo negligente por não evitar este desfecho ou permitindo intencionalmente que acontecesse.

Atendendo ao perfil de Navalny, "uma figura bastante influente e o mais popular entre os líderes da oposição russa em termos de mobilização da opinião pública", a sua morte implica, porém, sempre algum nível de risco político, em termos de uma vaga de protesto na Rússia e de condenação internacional.

Segundo Marek Menkiszak, apesar de ações de "russos muito corajosos" que participaram em homenagens nos últimos dias, sujeitando-se à perseguição política, "a Rússia é um país que conhece os seus conflitos internos e sabe que não iriam criar grandes efeitos", o que também explica alguma contenção do regime antes das "chamadas eleições".

As homenagens, protestos e vozes de condenação em todo o mundo acabaram por ser "consequências aceitáveis para o Kremlin", que aproveitou para enviar a mensagem de que "os russos devem abandonar qualquer esperança, acabou-se", observa o analista do centro europeu, a respeito de eventuais mudanças em Moscovo.

Para aqueles que investiram a sua esperança em Navalny, o Kremlin responde: "Não haverá este futuro brilhante para a Rússia, e o mesmo sinal é também dado ao Ocidente. Não existirá uma Rússia democrática pós-putin. Têm de lidar com a Rússia atual, com a Rússia de Putin, não outra. Por isso, abandonem qualquer esperança e entrem em negociações connosco, ditadas por nós, nos nossos termos".

Na votação prevista para o fim da próxima semana, é esperada uma vitória de Putin, no poder desde 2000 e recandidato a um novo mandato, graças a uma reforma constitucional que lhe permitirá manter-se na presidência nos próximos seis anos.

A respeito do ato eleitoral, o diretor do Departamento da Rússia do Centro de Estudos de Leste alerta para "uma farsa" em preparação, destinada a um "mero plebiscito formal para a introdução do quinto mandato de Vladimir Putin", e destaca que o Presidente russo parte em posição de ilegalidade, em resultado da violação da lei que permitiu as emendas constitucionais e a sua participação nas presidenciais.

"Se não houvesse outras razões, essa seria apenas uma única para não reconhecer Vladimir Putin como Presidente após essas 'eleições'", assinala o analista, advertindo, por outro lado, para a "natureza neototalitária" do regime e negação do pluralismo e da livre concorrência política.

Quem tenta qualquer tipo de atividade independente do Kremlin "é perseguido, ilegalizado ou eliminado fisicamente", refere Menkiszak, o que leva a que nenhum político independente tenha sido autorizado a confrontar Putin nas urnas, invocando-se "razões absurdas relacionadas com alegadas violações na recolha de assinaturas", incluindo o opositor Boris Nadezhdin, que seria o único candidato que se opõe abertamente à guerra na Ucrânia.

Nesse sentido, para a votação, foram apenas registados "candidatos aceites pelo Kremlin", que, apesar de apresentados como opositores, "fazem parte do regime político russo em geral e pertencem à chamada oposição sistémica, que é efetivamente uma não oposição apoiante de Vladimir Putin e que vota no parlamento de acordo com os seus desejos".

Além da ausência de candidatos alternativos, o especialista aponta a potencial falsificação de resultados ao longo de três dias de votação e uma pressão para os eleitores exercerem o seu voto antecipadamente ou eletronicamente, ou seja, através de meios que "são totalmente controlados pela 'secreta' russa, porque os sistemas eletrónicos estão sob supervisão do Serviço Federal de Segurança [FSB]".

De acordo com o diretor do 'think tank', mesmo que "a chantagem, as pressões ou quaisquer incentivos dados aos eleitores para participarem massivamente" não gerem números suficientes bons para as expectativas do regime, "poderão ser introduzidos eletronicamente resultados falsos".

Este é "um procedimento normal para muitas regiões russas, especialmente para o norte do Cáucaso", refere o analista, e onde Putin obtém habitualmente resultados acima dos 90%, que "não têm qualquer relação com a realidade", o que faz invocar um suposto velho ditado atribuído ao período soviético: "Não importa como as pessoas votam, o que importa é quem conta os votos".

O especialista assinala, aliás, análises que, apenas pela verificação estatística, indicam valores de 30% na falsificação de resultados em eleições anteriores, mas o número real será inalcançável uma vez que "não há observação independente" do escrutínio.

Perante a construção deste cenário e de "todas as razões que sugerem que não se possa chamar a este acontecimento uma eleição no sentido correto", os eleitores esclarecidos são colocados perante a inconsequência das suas ações, em que "o que as pessoas pensam já não tem importância".

Ainda assim, é "claro que as autoridades russas preferem que os eleitores participem voluntariamente e votem em Vladimir Putin e estão a tentar aumentar as hipóteses para que isso aconteça", através de pressão e de chantagem, a que os funcionários do Estado estão mais expostos, mas também de cautelas assumidas pelo Kremlin.

"Por exemplo, houve alguns rumores de que podemos esperar uma nova vaga de mobilização para as forças armadas. De certeza que não o farão antes das chamadas eleições", afirma o responsável do Centro de Estudos Europeus, do mesmo modo que deverão ser adiadas medidas faladas, como alterações a apoios financeiros para a obtenção de crédito, limitações nos subsídios sociais, subidas de impostos e de preços de bens e serviços.

Isto indicia, prossegue, que "o Kremlin está a tentar ser cauteloso", como indicia o discurso recente de Vladimir perante a Assembleia Federal, no qual deixou várias promessas sobre apoios sociais e a mensagem de que "as pessoas não devem estar muito preocupadas, porque é possível continuar a guerra na Ucrânia e manter a assistência social".

Leia Também: Pais agradecem aos russos homenagens diárias junto à campa de Navalny

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