O facto de o líder da AIEA, Rafael Mariano Grossi, assumir as negociações mostra os desafios que os inspetores da instituição enfrentam, anos após o colapso do acordo nuclear de Teerão com as potências mundiais e as tensões mais amplas que dominam o Médio Oriente devido à guerra entre Israel e o Hamas.
Grossi já avisou que Teerão possui urânio enriquecido em quantidade suficiente para fabricar "várias" bombas nucleares, se assim o desejar. Reconheceu que a agência não pode garantir que nenhuma das centrifugadoras do Irão possa ter sido desviada para enriquecimento clandestino.
"O que estamos a analisar são medidas concretas que podem tornar isto operacional", disse Grossi, que falava aos jornalistas durante uma conferência de imprensa na cidade de Isfahan (centro do país), ao lado de Mohammad Eslami, chefe da Organização da Energia Atómica do Irão.
Embora ambos tenham dito que não haverá nenhum novo acordo imediato durante a visita, apontaram para uma declaração conjunta de março de 2023 como um caminho a seguir para a cooperação entre a AIEA e o Irão.
A declaração de 2023 incluía o compromisso do Irão de resolver as questões relacionadas com os locais onde os inspetores têm dúvidas sobre uma possível atividade nuclear não declarada e de permitir que a AIEA "implemente outras atividades de verificação e monitorização adequadas".
Grossi e Eslami não forneceram muitos pormenores sobre as discussões em curso, embora o líder da AIEA tenha dito que as equipas técnicas das duas partes estavam a discutir pormenores específicos.
"O importante é que Grossi tome as medidas necessárias para resolver os problemas que são principalmente políticos", disse Eslami.
As tensões cresceram entre o Irão e a AIEA desde 2018, quando o então presidente norte-americano, Donald Trump, retirou unilateralmente os Estados Unidos do acordo nuclear de Teerão com as potências mundiais.
Desde então, o Irão abandonou todos os limites que o acordo impunha ao seu programa e enriquece urânio com 60% de pureza - perto dos níveis de 90% para armas nucleares.
As câmaras de vigilância da AIEA foram encerradas e o Irão impediu a entrada de alguns dos inspetores mais experientes da agência. Os responsáveis iranianos têm vindo a ameaçar cada vez mais que poderão vir a desenvolver armas atómicas.
Entretanto, as tensões entre o Irão e Israel atingiram um novo máximo. Teerão lançou em abril um ataque sem precedentes com um 'drone' (aeronave não tripulada) e mísseis contra Israel, depois de anos de uma guerra de sombras entre os dois países, que atingiu o clímax com o aparente ataque de Israel a um edifício consular iraniano na Síria, que matou dois generais iranianos e outras pessoas.
Nas últimas semanas, Isfahan tem estado sob fogo israelita, apesar de estar rodeada de instalações nucleares sensíveis.
Nas suas observações, Eslami acusou Israel de se intrometer nas relações entre a AIEA e o Irão.
"É importante ter cuidado para que as ações hostis contra a República Islâmica do Irão, de que os sionistas são fonte [...] não afetam as interações entre o Irão e a agência. O que é mostrado nos meios de comunicação social baseia-se nas manipulações do regime sionista", frisou Eslami.
Grossi insistiu que a relação da AIEA com Teerão não é afetada por terceiros, mas apelou ao Irão para que aplique "medidas muito concretas e tangíveis" para acelerar as negociações sobre o programa nuclear iraniano.
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