"Espero que se acalme um pouco e que isto fique um bocadinho melhor. Não há maneira de acalmar e provavelmente não se acalmará", disse María, 62 anos, à Lusa, depois de votar numa escola do bairro onde vive, no leste da capital catalã.
A incerteza de María sobre o desfecho das eleições autonómicas de hoje na Catalunha é a mesma de todas as sondagens, que dão os socialistas como favoritos, mas sem maioria absoluta, mesmo que se aliem ao Comuns Somar, também da "esquerda constitucionalista", a que defende a permanência da região dentro de Espanha.
As sondagens, por outro lado, também não garantem, pela primeira vez em mais de uma década, uma maioria absoluta dos partidos independentistas no novo parlamento, o que impediria as "geringonças" separatistas que se têm formado desde 2017.
Mas a incerteza não é só entre uma nova etapa socialista e mais um governo liderado pelos independentistas (sejam de esquerda ou de direita): os discursos dos candidatos fazem temer um bloqueio e os eleitores estão hoje a votar em Barcelona conscientes de que poderão ter de voltar às urnas em outubro, para uma repetição das eleições.
Na mesa de voto de Sant Martí de Barcelona é difícil encontrar partidários de formações separatistas - estão na zona rural da Catalunha, assegurou o marido de María.
O casal, uma amiga e a mãe de María garantem que todos votaram num partido não independentista "com a esperança" de que "depois não se juntem aos da independência", mas sabem que essa é uma probabilidade.
"É o estado e a confusão em que está também o governo central", nas palavras de Jennifer, 31 anos, que também votou hoje em Sant Martí.
O Partido Socialista Espanhol (PSOE) do primeiro-ministro Pedro Sánchez viu o último governo viabilizado, em novembro passado, pelos dois grandes partidos independentistas catalães, com quem hoje disputa o governo regional: a Esquerda Republicana (ERC, à frente do executivo catalão) e o Juntos pela Catalunha (JxCat, de direita, do ex-presidente autonómico Carles Puigdemont).
Na Catalunha, o PSOE viabilizou orçamentos do governo minoritário da ERC e outras medidas e concedeu indultos e uma amnistia a separatistas. No entanto, nada disto garante que a ERC se alie aos socialistas para os deixar governar na região, que não opte, como sempre aconteceu, pela "frente independentista" ou que recuse qualquer aliança, provocando a repetição das eleições.
Em segundo lugar nas sondagens surge o JxCat, de Puigdemont, que vive fora de Espanha desde 2017 para escapar à justiça e fez a campanha desde o sul de França. A ERC, de Pere Aragonès, atual presidente regional, está em terceiro nas sondagens.
Até às 13h00 (12h00 em Lisboa) tinham votado 26,91% dos eleitores, um aumento de 4,14 pontos em relação às eleições regionais anteriores (em 2021).
Entre os que já tinham depositado o voto estavam todos os principais candidatos, menos um, Carles Puigdemont, que apesar de ambicionar um regresso ao governo regional (Generalitat) será um dos abstencionistas da jornada eleitoral.
"Espero que seja a última jornada de muitos exílios de muita gente que está fora. Passaram muitos anos, é hora de voltar a casa", disse Puigdemont, numa localidade no sul de França, referindo-se a protagonistas da declaração unilateral de independência de 2017 que desde então abandonaram Espanha para não serem julgados.
Puigdemont espera regressar em breve à Catalunha, quando entrar em vigor a lei de amnistia que está prestes a ser aprovada pelo parlamento.
Com as sondagens a colocá-lo em segundo lugar na votação de hoje, Puigdemont ambiciona liderar uma nova "geringonça" independentista. Mas estas eleições podem ditar também o fim do seu percurso na política, como o próprio já admitiu.
Hoje "estão em jogo tantas coisas" que o importante é votar, disse aos jornalistas, admitindo que está a viver o dia "com incerteza, mas sem nervos".
O candidato do Partido Socialista da Catalunha (PSC-PSOE), Salvador Illa, por seu turno, disse que espera e deseja que hoje se abra "uma nova etapa da Catalunha" e acrescentou que é esse "o palpite" que tem para este domingo.
Já Pere Aragonès, da ERC, apelou para o voto dos catalães "com toda a energia, força e entusiasmo".
O desfecho das eleições poderá ter impactos diretos na estabilidade política de Espanha, por o Governo de Pedro Sánchez depender tanto do apoio do JxCat como do da ERC.
A ERC disse que os resultados e eventuais acordos pós-eleitorais não põem em causa os compromissos assumidos em Madrid. Já Puigdemont ameaçou retirar o apoio a Sánchez se os socialistas aceitarem os votos do Partido Popular (PP, direita espanhola) para inviabilizarem um executivo regional liderado por independentistas, como aconteceu no ano passado na câmara municipal de Barcelona.
Veja na fotogaleria acima algumas imagens destas eleições autonómicas.