A cimeira, organizada na estância de Burgenstock, nos arredores de Lucerna, foi realizada a pedido do Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, e teve por objetivo "inspirar um futuro processo de paz", tendo por base "os debates que tiveram lugar nos últimos meses, nomeadamente o plano de paz ucraniano e outras propostas de paz baseadas na Carta das Nações Unidas e nos princípios fundamentais do direito internacional".
Foram mais de 100 os líderes e representantes de países e organizações presentes no encontro, em que Portugal esteve representado pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e pelo ministro dos Negócios Estrangeiros, Paulo Rangel.
A cimeira -- para a qual a Rússia não foi convidada -- teve início um dia depois de o Presidente russo, Vladimir Putin, ter prometido ordenar imediatamente um cessar-fogo na Ucrânia e iniciar negociações se Kyiv começasse a retirar as tropas das quatro regiões anexadas por Moscovo em 2022 e renunciasse aos planos de adesão à Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO, na sigla em inglês).
As reivindicações constituem uma exigência de facto para a rendição da Ucrânia, cujo objetivo é manter a sua integridade territorial e soberania, mediante a saída de todas as tropas russas do seu território, além de Kyiv pretender aderir à aliança militar.
As condições colocadas por Moscovo foram rejeitadas de imediato pela Ucrânia, pelos Estados Unidos e pela NATO.
No fim da cimeira, Zelensky afirmou que a Rússia e os seus líderes "não estão preparados para uma paz justa". Em conferência de imprensa, o chefe de Estado garantiu que a Rússia pode negociar a paz "amanhã, se se retirar" do território ucraniano.
Esta foi uma ideia defendida no conjunto da maioria dos Estados participantes. Mais de 80 países, incluindo os da União Europeia, Estados Unidos da América, Japão, Argentina, Somália e Quénia assinaram um comunicado final que "reafirma a integridade territorial" ucraniana e pede que "todas as partes" estejam envolvidas para se alcançar a paz.
"Acreditamos que alcançar a paz exige a participação e o diálogo entre todas as partes", aponta a declaração.
"Decidimos, portanto, tomar medidas concretas no futuro para envolver representantes de todas as questões mencionadas neste comunicado final", acrescenta-se no documento, defendendo a aplicação da Carta da Organização das Nações Unidas (ONU) e do direito internacional para "uma paz duradoura e justa".
Os signatários pediram ainda que as instalações nucleares ucranianas sejam retiradas do conflito e que as outras instalações devem funcionar de maneira segura e protegida.
Pediram também uma navegação comercial "livre, plena e segura e o acesso aos portos marítimos e dos mares Negro e Azov", e condenaram os ataques a navios mercantes nos portos.
"A segurança alimentar não deve ser transformada numa arma de qualquer tipo. Os produtos agrícolas ucranianos devem ser entregues de forma segura e gratuita aos países terceiros interessados", acrescentaram.
Mais de dois anos depois de Moscovo iniciar a invasão, o problema para alcançar um acordo de paz é, para a Presidente da Suíça e anfitriã da cimeira, Viola Amherd, "como e quando envolver a Rússia".
Por sua vez, o chefe de Estado ganês, Nana Akufo-Addo, afirmou que é preciso "encontrar uma forma de permitir" que tanto Rússia como China -- que também não esteve na cimeira -- "participem nestas deliberações".
Pequim optou por não estar presente devido à ausência de Moscovo, mas Zelensky garantiu hoje que a Ucrânia "não é inimiga" da China. "A Ucrânia tem apenas um inimigo: Putin", sublinhou.
Entre os países presentes que não assinaram o comunicado estão os Estados-membros do BRICS, um bloco de países composto por Brasil, Índia e África do Sul, bem como pela China e pela Rússia.
Também não assinaram o comunicado Arménia, Barém, Indonésia, Líbia, Arábia Saudita, Tailândia, Emirados Árabes Unidos e México.
A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, admitiu que a cimeira não foi uma negociação de paz e que há um caminho a percorrer até esta ser alcançada "porque Putin não está a falar a sério sobre o fim da guerra".
Segundo Zelensky, depois da cimeira serão realizadas reuniões a nível técnico e ministerial, antes de uma segunda cimeira de paz "para pôr fim a esta guerra e obter uma paz justa e duradoura".
Apesar das maiores dificuldades militares, o Presidente vincou que não é por a Ucrânia estar mais fraca que se está a falar em paz.
Hoje, o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, instou Kyiv a "refletir" sobre a proposta de Moscovo, considerando que não é um ultimato, mas "uma iniciativa de paz que tem em conta as realidades no terreno".
Neste último dia da cimeira, que Zelensky considerou um sucesso, vários chefes de Governo e de Estado criticaram a proposta russa.
A primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, alertou Putin de que não deve confundir a paz com a subjugação da Ucrânia e pediu à comunidade internacional que continue a apoiar o país: "Se a Ucrânia não tivesse podido contar com o nosso apoio e tivesse sido forçada a render-se, não estaríamos aqui hoje a discutir as condições mínimas para as negociações. Estaríamos apenas a discutir a invasão de um Estado soberano e todos podemos imaginar as consequências."
O presidente do Governo espanhol, Pedro Sánchez, sublinhou que a guerra tem de acabar e destacou a ajuda que o seu país tem prestado à Ucrânia para aliviar a crise alimentar.
Já o Presidente da Lituânia, país que partilha fronteira com a Rússia através do enclave de Kaliningrado, recordou que a comunidade internacional tem a "obrigação coletiva de mostrar total solidariedade" para com a Ucrânia.
"Gostaria de afirmar, mais uma vez, que a paz na Ucrânia só pode ser alcançada com a restauração total da integridade territorial da Ucrânia", defendeu Gitanas Nauseda.
A Noruega, que considerou a cimeira um sucesso, anunciou que vai fornecer à Ucrânia 1,1 mil milhões de coroas (103 milhões de euros) para recuperar a sua infraestrutura energética e garantir o fornecimento de eletricidade até ao inverno.
A vizinha Suécia sublinhou, através da sua vice-primeira-ministra, Ebba Busch, que o apoio à Ucrânia no seu direito de defesa é "a principal prioridade da política externa".
"Todos nós estamos convencidos de uma coisa: não podemos aceitar a agressão como um meio para atingir objetivos políticos", afirmou Busch, acrescentando que a invasão da Ucrânia fez o país "reconsiderar a política" e procurar, com a Finlândia, pertencer à NATO.
Marcelo Rebelo de Sousa, por sua vez, afirmou que a cimeira lançou uma "via imparável" para o fim do conflito.
"Este é um passo. Há outros passos e nos outros passos é bom que haja o alargamento a novos parceiros. [...] Em rigor, deviam ter estado já aqui neste primeiro passo, mas poderão estar em passos seguintes", afirmou o chefe de Estado português.
Questionado sobre quem mais deve ser envolvido no processo, Marcelo, sem mencionar explicitamente a Federação Russa, respondeu que as conversações devem ser alargadas a "todas as partes envolvidas" diretamente no conflito.
Do outro lado do oceano Atlântico, o Presidente do Equador, Daniel Noboa, defendeu "o poder transformador do diálogo e da cooperação", por entender que é a solução para alcançar "a reconciliação e a paz duradoura".
Já a secretária dos Negócios Estrangeiros do México, Alicia Bárcena, pediu que os esforços diplomáticos para a paz entre Ucrânia e Rússia sejam feitos "sob a égide da ONU".
"Deve haver negociações graduais para criar confiança", disse, considerando que "não se pode falar de paz sem mencionar outras tragédias humanitárias atuais, como a que ocorre em Gaza".
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