Reviravolta histórica. França 'guina' à Esquerda, mas está tudo em aberto

Os eleitores franceses guinaram à esquerda na segunda volta das eleições legislativas, mas nenhum partido assegurou a maioria suficiente para governar por conta própria. E agora?

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© Nathan Posner/Anadolu via Getty Images

José Miguel Pires
08/07/2024 08:18 ‧ 08/07/2024 por José Miguel Pires

Mundo

Eleições em França

Registou-se uma verdadeira reviravolta nas eleições legislativas antecipadas em França, marcadas pelo presidente, Emmanuel Macron, após a extrema-direita do país ter crescido nas eleições para o Parlamento Europeu, no início do mês de junho.

Se, na primeira volta, esta ala política conseguiu um resultado histórico, os eleitores franceses decidiram pôr um travão e guinar à esquerda na segunda volta, durante o fim de semana, dando a clara vitória à coligação Nova Frente Popular (NFP) e levando o primeiro-ministro, Gabriel Attal, a pedir a demissão.

Tal foi o 'golpe' para a União Nacional (UN) de Marine Le Pen que o partido foi empurrado para o terceiro lugar, ficando atrás do Ensemble, agrupamento centrista e liberal encabeçado pelo Renascimento de Macron.

Nenhum dos blocos políticos conseguiu, porém, alcançar a maioria absoluta no parlamento de 577 lugares, pelo que se avizinham tempos complexos na política francesa. E não só: Viveu-se uma noite de tensão no país, registando-se confrontos com a polícia nas ruas.

Mas como fica o parlamento?

A aliança de esquerda Nova Frente Popular, que junta socialistas, ecologistas e comunistas e é liderada pela França Insubmissa (LFI, partido de esquerda radical de Jean-Luc Mélenchon) arrecadou 182 lugares, seguida pelos 168 governantes eleitos pelo Ensemble (Juntos), agrupamento centrista e liberal encabeçado pelo Renascimento. A União Nacional e aliados, por sua vez, ficaram-se pelos 143 lugares, numas eleições marcadas pela alta afluência dos eleitores: 66,63%, contra os 46,23% registados em 2022.

Partido de Macron considera que aliança de esquerda não pode governar

Partido de Macron considera que aliança de esquerda não pode governar

O secretário-geral do partido do presidente francês, o Renascimento, afirmou hoje ser óbvio que a aliança de esquerda Nova Frente Popular "não pode governar a França", argumentando que nenhuma coligação tem maioria na Assembleia Nacional.

Lusa | 21:42 - 07/07/2024

Logo ao início da noite eleitoral, o gabinete de Emmanuel Macron alertou, porém, que o chefe de Estado só irá "tomar as decisões necessárias" após ver a nova Assembleia Nacional "estruturada", pedindo "prudência" face aos resultados eleitorais.

O seu partido, por outro lado, já tem outra ideia mais concreta sobre o futuro político do país. O secretário-geral do Renascimento, Stéphane Séjourné, argumentou que "contrariamente ao que alguns previam, o bloco central republicano moderado continua lá, continua de pé" e que a Nova Frente Popular "não pode governar a França".

"O nosso povo rejeitou claramente a pior solução possível"

O líder da França Insubmissa (LFI), parte da Nova Frente Popular, não deixou sombra de dúvida sobre os seus desejos para o país: "O nosso povo rejeitou claramente a pior solução possível", disse Jean-Luc Mélenchon, realçando o "imenso alívio" e argumentando que "o presidente tem o poder, tem o dever de convocar a Nova Frente Popular para governar".

A ele juntou-se o líder do Partido Socialista francês - também ele parte da NFP -, Olivier Faure, rejeitando qualquer "coligação de opostos que traia o voto dos franceses e prolongue as políticas macronistas".

Já do lado do União Nacional, o líder do partido e jovem candidato Jordan Bardella saudou um "avanço importante" e acusou as "alianças contranatura" que "procuraram de todas as maneiras impedir os franceses de escolher livremente uma política diferente". Marine Le Pen, por sua vez, rejeitou tratar-se de uma derrota, preferindo ver os resultados eleitorais como uma vitória "apenas adiada" da UN.

Festa da Nova Frente Popular começou com projeções e não parou mais

Festa da Nova Frente Popular começou com projeções e não parou mais

Um ambiente de festa instalou-se entre apoiantes da NFP em Paris, que celebraram as primeiras projeções de vitória da aliança de esquerda na segunda volta das legislativas francesas e não pararam mais de festejar, com música e muita cerveja.

Lusa | 22:36 - 07/07/2024

De um lado, festa, do outro, desilusão

Os apoiantes da UN criticaram, na sequência das eleições, os "truques" de Emmanuel Macron, mostrando-se desapontados com o resultado. "Apesar de tudo, foi preciso haver alianças esquisitas entre tantos partidos só para conseguir abater um. Acho que isso é muito relevador: é uma vitória, porque reconhecem que a União Nacional (Rassemblement National, em francês) tem agora muito poder", disse à agência Lusa Luna, militante de 20 anos da UN. A sua companheira de partido, Rosa, de 53 anos, criticou os "truques do senhor Macron", em declarações à mesma agência de notícias.

Na NFP, o ambiente vivido foi completamente oposto, começando as celebrações com o anúncio das primeiras projeções. "Estou aqui para celebrar com toda a gente que partilha os mesmos valores e convicções políticas que eu, a vitória da esquerda, que é histórica, o que significa que ainda há esperança para a França", disse à Lusa Maria, de 27 anos, apoiante da coligação.

Ex-governantes deixam os seus apelos

Na sequência destes resultados eleitorais, o antigo primeiro-ministro francês Edouard Philippe (2017-2020), pedindo um acordo de Estado que exclua a extrema-direita e a França Insubmissa, o principal partido da NFP.  Philippe disse que a decisão de Macron de dissolver a Assembleia Nacional colocou o país "em perigo", ameaçando-o com "a perda de credibilidade e de direção". O antigo governante pediu que se crie um acordo entre moderados para "garantir a estabilidade".

Já o ex-presidente socialista François Hollande apelou à Esquerda francesa para que procure pacificar o país, devendo "fazer toda a pressão necessária" para que sejam aplicadas medidas como o congelamento dos preços do gás, o aumento do salário mínimo e a anulação da reforma do sistema de pensões, propostas por Macron.

Reações internacionais variam

No âmbito internacional, os resultados das eleições em França foram alvo de reações várias. O presidente do governo espanhol, Pedro Sánchez, saudou o 'sim' francês ao "progresso social", ao passo que, por cá, o líder do Partido Socialista (PS), Pedro Nuno Santos, realçou que "a Extrema-direita foi claramente derrotada".

A coordenadora do Bloco de Esquerda, Mariana Mortágua, saudou que "a esquerda derrotou a extrema-direita" e o líder do Chega, André Ventura, acusou uma "verdadeira derrocada para a Europa", com um "desastre" na economia, uma "tragédia" na imigração e algo "mau" no combate à corrupção.

De resto, o primeiro-ministro polaco e antigo presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, foi incisivo: "Em Paris, entusiasmo, em Moscovo, frustração, em Kyiv alívio. O suficiente para ser-se feliz em Varsóvia".

Já o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, teve uma reação... peculiar, afirmando que "há batalhas que duram apenas alguns dias, mas que definem o destino da humanidade", sendo que a vitória da NFP é "uma dessas batalhas". "Os nazis estão a recuar. A humanidade tem uma nova oportunidade", vaticinou.

[Notícia atualizada às 12h20]

Leia Também: Lula feliz com união de forças politicas contra extrema-direita em França

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