Registou-se uma verdadeira reviravolta nas eleições legislativas antecipadas em França, marcadas pelo presidente, Emmanuel Macron, após a extrema-direita do país ter crescido nas eleições para o Parlamento Europeu, no início do mês de junho.
Se, na primeira volta, esta ala política conseguiu um resultado histórico, os eleitores franceses decidiram pôr um travão e guinar à esquerda na segunda volta, durante o fim de semana, dando a clara vitória à coligação Nova Frente Popular (NFP) e levando o primeiro-ministro, Gabriel Attal, a pedir a demissão.
Tal foi o 'golpe' para a União Nacional (UN) de Marine Le Pen que o partido foi empurrado para o terceiro lugar, ficando atrás do Ensemble, agrupamento centrista e liberal encabeçado pelo Renascimento de Macron.
Nenhum dos blocos políticos conseguiu, porém, alcançar a maioria absoluta no parlamento de 577 lugares, pelo que se avizinham tempos complexos na política francesa. E não só: Viveu-se uma noite de tensão no país, registando-se confrontos com a polícia nas ruas.
Mas como fica o parlamento?
A aliança de esquerda Nova Frente Popular, que junta socialistas, ecologistas e comunistas e é liderada pela França Insubmissa (LFI, partido de esquerda radical de Jean-Luc Mélenchon) arrecadou 182 lugares, seguida pelos 168 governantes eleitos pelo Ensemble (Juntos), agrupamento centrista e liberal encabeçado pelo Renascimento. A União Nacional e aliados, por sua vez, ficaram-se pelos 143 lugares, numas eleições marcadas pela alta afluência dos eleitores: 66,63%, contra os 46,23% registados em 2022.
Logo ao início da noite eleitoral, o gabinete de Emmanuel Macron alertou, porém, que o chefe de Estado só irá "tomar as decisões necessárias" após ver a nova Assembleia Nacional "estruturada", pedindo "prudência" face aos resultados eleitorais.
O seu partido, por outro lado, já tem outra ideia mais concreta sobre o futuro político do país. O secretário-geral do Renascimento, Stéphane Séjourné, argumentou que "contrariamente ao que alguns previam, o bloco central republicano moderado continua lá, continua de pé" e que a Nova Frente Popular "não pode governar a França".
"O nosso povo rejeitou claramente a pior solução possível"
O líder da França Insubmissa (LFI), parte da Nova Frente Popular, não deixou sombra de dúvida sobre os seus desejos para o país: "O nosso povo rejeitou claramente a pior solução possível", disse Jean-Luc Mélenchon, realçando o "imenso alívio" e argumentando que "o presidente tem o poder, tem o dever de convocar a Nova Frente Popular para governar".
A ele juntou-se o líder do Partido Socialista francês - também ele parte da NFP -, Olivier Faure, rejeitando qualquer "coligação de opostos que traia o voto dos franceses e prolongue as políticas macronistas".
Já do lado do União Nacional, o líder do partido e jovem candidato Jordan Bardella saudou um "avanço importante" e acusou as "alianças contranatura" que "procuraram de todas as maneiras impedir os franceses de escolher livremente uma política diferente". Marine Le Pen, por sua vez, rejeitou tratar-se de uma derrota, preferindo ver os resultados eleitorais como uma vitória "apenas adiada" da UN.
De um lado, festa, do outro, desilusão
Os apoiantes da UN criticaram, na sequência das eleições, os "truques" de Emmanuel Macron, mostrando-se desapontados com o resultado. "Apesar de tudo, foi preciso haver alianças esquisitas entre tantos partidos só para conseguir abater um. Acho que isso é muito relevador: é uma vitória, porque reconhecem que a União Nacional (Rassemblement National, em francês) tem agora muito poder", disse à agência Lusa Luna, militante de 20 anos da UN. A sua companheira de partido, Rosa, de 53 anos, criticou os "truques do senhor Macron", em declarações à mesma agência de notícias.
Na NFP, o ambiente vivido foi completamente oposto, começando as celebrações com o anúncio das primeiras projeções. "Estou aqui para celebrar com toda a gente que partilha os mesmos valores e convicções políticas que eu, a vitória da esquerda, que é histórica, o que significa que ainda há esperança para a França", disse à Lusa Maria, de 27 anos, apoiante da coligação.
Ex-governantes deixam os seus apelos
Na sequência destes resultados eleitorais, o antigo primeiro-ministro francês Edouard Philippe (2017-2020), pedindo um acordo de Estado que exclua a extrema-direita e a França Insubmissa, o principal partido da NFP. Philippe disse que a decisão de Macron de dissolver a Assembleia Nacional colocou o país "em perigo", ameaçando-o com "a perda de credibilidade e de direção". O antigo governante pediu que se crie um acordo entre moderados para "garantir a estabilidade".
Já o ex-presidente socialista François Hollande apelou à Esquerda francesa para que procure pacificar o país, devendo "fazer toda a pressão necessária" para que sejam aplicadas medidas como o congelamento dos preços do gás, o aumento do salário mínimo e a anulação da reforma do sistema de pensões, propostas por Macron.
Reações internacionais variam
No âmbito internacional, os resultados das eleições em França foram alvo de reações várias. O presidente do governo espanhol, Pedro Sánchez, saudou o 'sim' francês ao "progresso social", ao passo que, por cá, o líder do Partido Socialista (PS), Pedro Nuno Santos, realçou que "a Extrema-direita foi claramente derrotada".
A coordenadora do Bloco de Esquerda, Mariana Mortágua, saudou que "a esquerda derrotou a extrema-direita" e o líder do Chega, André Ventura, acusou uma "verdadeira derrocada para a Europa", com um "desastre" na economia, uma "tragédia" na imigração e algo "mau" no combate à corrupção.
De resto, o primeiro-ministro polaco e antigo presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, foi incisivo: "Em Paris, entusiasmo, em Moscovo, frustração, em Kyiv alívio. O suficiente para ser-se feliz em Varsóvia".
Já o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, teve uma reação... peculiar, afirmando que "há batalhas que duram apenas alguns dias, mas que definem o destino da humanidade", sendo que a vitória da NFP é "uma dessas batalhas". "Os nazis estão a recuar. A humanidade tem uma nova oportunidade", vaticinou.
[Notícia atualizada às 12h20]
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