Correspondente de 32 anos do Wall Street Journal, foi detido a 29 de março de 2023 em Ecaterimburgo e julgado num caso de uma gravidade sem precedentes para um jornalista estrangeiro desde o fim da URSS com base numa acusação não fundamentada de espionagem.
E foi nesta cidade dos Urais que foi condenado hoje no final de um inusual processo rápido, de apenas três audiências à porta fechada.
Na sala de audiências, estava de braços cruzados no momento do veredicto, com a cabeça rapada -- o corte de cabelo habitual dos presos na Rússia -- e uma barba a crescer no seu rosto cansado.
Evan Gershkovich é acusado pelas autoridades russas de "espionagem" por ter recolhido informações sobre uma fábrica de tanques russa por conta da CIA.
Gershkovich, a sua família, o seu patrão e o seu país rejeitam estas acusações, que a Rússia nunca provou, e denunciam o caso como fictício e de tomada de reféns.
O Kremlin voltou a recusar-se a comentar a situação hoje de manhã, alegando tratarem-se de "casos sensíveis".
Força e resistência
Em prisão preventiva em Moscovo, na prisão de Lefortovo, gerida pelo FSB (os serviços secretos russos), Gershkovich explicou nas suas cartas dos últimos meses que sofria com a monotonia da sua detenção.
Mas também disse que estava bem-disposto, usando muito humor nas suas cartas e mantendo-se a par dos últimos mexericos sobre as carreiras e vidas amorosas dos seus amigos.
Disse ainda que aguardava a sentença para ser transferido para uma colónia penal onde, teoricamente, deveria ter mais atividades e convívio social, bem como ver o céu com mais frequência. Em Lefortovo, os reclusos estão muito isolados e são mantidos nas suas celas durante 23 horas por dia.
Durante as audiências em que a imprensa foi autorizada a filmá-lo durante alguns minutos, sem falar com ele, o repórter cumprimentava os jornalistas que conhecia com um sorriso ou fazendo um sinal de coração com as mãos.
Em dezembro de 2023, a sua família falou com admiração da sua "resiliência e força inabalável" numa carta publicada pelo Wall Street Journal.
Ao contrário de muitos jornalistas norte-americanos que deixaram a Rússia na sequência do ataque à Ucrânia em fevereiro de 2022, Gershkovich optou por continuar a fazer reportagens.
Interessado em descrever a forma como os russos estavam a viver o conflito, falou com familiares de soldados mortos, críticos do Presidente Vladimir Putin e analisou os efeitos das sanções na economia russa.
Na altura da sua detenção em Ecaterimburgo parecia estar a trabalhar em temas sensíveis: a indústria de armamento russa e o grupo paramilitar Wagner.
Extrovertido e sociável
Originário de Nova Jérsia, perto de Nova Iorque, Gershkovich tinha-se distinguido pela qualidade das reportagens na Rússia, o país das suas raízes, onde conhecia as regras e as superstições. Os seus pais, judeus soviéticos que fugiram da URSS no final dos anos 70, incutiram-nas nele.
Depois de se ter licenciado em inglês e filosofia, optou por fazer o caminho inverso e instalou-se na Rússia.
Em 2017, perfeitamente fluente em russo, deixou um emprego como assistente editorial no New York Times para se juntar ao Moscow Times, o principal meio de comunicação social de língua inglesa em Moscovo, que foi proibido em julho pela justiça russa.
Durante cerca de quatro anos, fez reportagens sobre a repressão da oposição, as catástrofes ambientais, os estragos da covid-19 e as tradições russas, como a arte da 'bania', o banho de vapor russo (sauna) que costumava frequentar assiduamente.
Naturalmente extrovertido, sempre pronto a rir, sabe "pôr todas as suas fontes à vontade, porque as faz sempre sentir que se preocupa profundamente com as suas histórias", disse à AFP, em abril de 2023, Pjotr Sauer, jornalista do diário britânico The Guardian e amigo íntimo de Gershkovich.
Quando entrou para o gabinete da AFP em Moscovo, no final de 2020, continuou nesta linha, contando a história de um opositor russo em campanha a partir da prisão, ou o quotidiano dos bombeiros que lutam contra os vastos incêndios da Sibéria.
Este adepto de futebol e jogador amador também mergulhou na história do Sheriff Tiraspol, um clube da região separatista moldava pró-russa da Transnístria, que jogou na Liga dos Campeões em 2021.
No início de 2022, entrou para o prestigiado Wall Street Journal, algumas semanas antes do ataque russo à Ucrânia.
Cheio de humor, mesmo quando estava na prisão, brincou com a sua mãe numa das suas cartas, referindo-se às papas russas que ela lhe preparava em criança, um prato que enchia as casas e as celas de todo o país.
Segundo ele, esta cozinha materna preparou-o, "para o bem e para o mal", para a prisão.
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