Carles Puigdemont, antigo presidente do governo regional da Catalunha, explicou como conseguiu entrar em Espanha, discursar perante uma multidão no centro de Barcelona, e fugir sem ser detido pela polícia, apesar de pender sobre si um mandado de detenção em território espanhol.
Num artigo de opinião, publicado na sexta-feira no jornal Politico, Puigdemont afirmou que o seu regresso, no passado dia 8 de agosto, "causou uma grande tensão" porque o Supremo Tribunal de Espanha decidiu "manter alguns dos mandados de captura contra os organizadores do referendo independentista de 1 de outubro de 2017", apesar de o parlamento espanhol ter aprovado uma Lei de Amnistia, que "ordenava o levantamento de todas as medidas" que impediam os independentistas de "exercer os direitos políticos".
"Não fui condenado, nem sequer julgado. Fui eleito deputado do parlamento da Catalunha e faço parte dos perseguidos políticos e ativistas a quem esta Lei de Amnistia se deveria aplicar. Mas o Supremo Tribunal decidiu rebelar-se contra uma lei que não lhe agrada, desobedecendo a um parlamento democrático", acusou.
Considerando estar em causa um "golpe híbrido", no qual "certos juízes subvertem a vontade do povo e anulam a legislação aprovada por um governo democrático sob o pretexto do Estado de direito", Puigdemont disse que é "absurdo em qualquer parte da Europa" que uma "Lei de Amnistia não possa conceder amnistia", mas é "exatamente isso que está a acontecer em Espanha".
I didn’t return to Catalonia to be arrested. I returned to exercise the right to resist oppression. When a judge refuses to apply democratic law, that’s a form of oppression — one that no democrat should tolerate.
— krls.eth / Carles Puigdemont (@KRLS) August 16, 2024
«Spanish judges pulled off a hybrid coup» https://t.co/1IRzknlRiy
Apesar do mandado de detenção, o ex-líder catalão "tinha prometido regressar a casa para assistir ao debate de investidura do novo presidente do Governo da Catalunha", uma vez que era seu "dever". "Mas os politizados juízes espanhóis ordenaram à polícia catalã que aproveitasse a ocasião para me prender", afirmou.
Puigdemont disse estar ciente de que "o risco de ser enviado para uma prisão espanhola durante anos era extremamente elevado", mas decidiu regressar na mesma e anunciar "onde, quando e a que horas iria aparecer perante milhares de pessoas".
Assim, regressou a Espanha a 6 de agosto e conseguiu ir até Barcelona sem ser descoberto. "Dois dias depois, consegui atravessar algumas ruas e chegar ao palco sem ser detido. E pude falar com a cara descoberta, a poucos metros da sede do Supremo Tribunal de Justiça da Catalunha e do próprio parlamento, perante uma multidão", recordou.
Disse que o seu objetivo era mesmo ir até ao parlamento, "mas a polícia tinha isolado a zona toda, o que tornava impossível".
"Se tivesse tentado, teria sido o mesmo que render-me às autoridades judiciais - que, na minha opinião, não têm autoridade legal para me perseguir, uma vez que violam as normas internacionais, bem como a legislação aprovada pelo parlamento espanhol", explicou o eurodeputado, sublinhando que não regressou para ser preso, mas sim para "exercer o direito de resistir à opressão".
"Assim, para permanecer livre, tive de ativar o plano alternativo que tinha preparado - nomeadamente, falar no evento, escapar à detenção ilegal e sair de Espanha", acrescentou. "Não foi fácil. A polícia provocou o caos em toda a Catalunha ao tentar prender-me - um deputado, um político cujo 'crime' foi organizar um referendo; não um terrorista ou um traficante de armas, não um assassino ou um violador".
Segundo o político, a "última vez que uma operação tão maciça foi orquestrada na Catalunha" foi há sete anos, em 2017, durante a sua presidência, na sequência dos "terríveis ataques jihadistas em Barcelona e Cambrils".
"Mas, finalmente, a minha exfiltração foi bem sucedida. Não foi necessário esconder-me na bagageira de um carro - como afirmam que fiz. Sentei-me no banco de trás de um veículo privado e fui conduzido através da fronteira entre o sul da Catalunha e o norte da Catalunha, que é administrativamente território francês", recordou.
No artigo de opinião, Puigdemont disse ainda que esperar que "um dia a justiça regresse aos tribunais espanhóis e que os juízes respeitem uma lei aprovada pelo parlamento" para que possa "regressar definitivamente a casa".
Eleito deputado nas eleições catalãs de 12 de maio, Puigdemont tinha anunciado que estaria na sessão parlamentar de 8 de agosto, convocada para investir o socialista Salvador Illa novo presidente do governo catalão.
A polícia tinha montado um perímetro de segurança em redor do parlamento, com uma barreira policial que Puigdemont teria de cruzar para aceder ao edifício, mas nunca chegou a esse local, onde se esperava que fosse detido.
Os Mossos d'Esquadra acionaram depois a 'operação Jaula', um dispositivo de segurança, com controlo de estradas, para tentar localizá-lo, mas sem sucesso.
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