"As penas são demasiado baixas, quase todas muito abaixo do que foi pedido pelo Ministério Público (que representa o Estado), no entanto, isto já é uma vitória se considerarmos que em França menos de 1% das violações são condenadas", disse Anna Toumazoff, jornalista francesa e apresentadora de rádio francesa, em declarações à Lusa
Para a ativista feminista, o importante é que foram "todos considerados culpados" pelo Tribunal de Avignon, no sul da França, mesmo que seis dos 51 arguidos tenham saído em liberdade, porque as suas penas estão isentas de prisão ou porque já cumpriram parte delas em prisão preventiva.
"Sabíamos (que eram culpados) graças às provas em vídeo, que existiam felizmente, mas os advogados dos arguidos continuavam a tentar atirar as culpas para Gisèle", afirmou Anna Toumazoff, acrescentando que "importante para todas as mulheres deste país e de todo o mundo: culpada não é ela, são eles".
Para a ativista francesa, conhecida nas redes sociais pelo seu discurso feminista, a vergonha está finalmente a mudar de lado, com a principal vítima (e o apoio da família) a decidir tornar o julgamento público, porque "não são as vítimas que devem ter vergonha".
Gisèle Pélicot "deu a França e ao mundo esta mensagem: "Não me cabe a mim ter vergonha. Eu não tenho vergonha". No início do processo, usava óculos escuros. Agora aparece com a cara descoberta. São os arguidos que se escondem atrás de máscaras, óculos e capuzes", acrescentou.
Anna Toumazoff referiu ainda que o movimento 'MeToo', de denúncias de casos de assédio e abuso sexual contra atrizes como Gwyneth Paltrow e Angelina Jolie, ensinou a sociedade que "não existe uma vítima típica" e espera agora que compreendam "que não existe um violador típico".
O principal arguido e ex-marido de Gisèle, Dominique Pelicot, de 72 anos, foi condenado hoje a 20 anos de prisão, pena máxima em França, foi condenado por violar e drogar com ansiolíticos a vítima durante uma década para ser violada por dezenas de desconhecidos recrutados na Internet, com idades compreendidas entre os 27 e os 74 anos.
Apesar do caráter histórico deste julgamento, que atraiu a atenção do mundo inteiro e que fez desta mulher de 72 anos um ícone da luta contra a violência sexual, muitas associações feministas também exprimiram o seu descontentamento em relação às penas, a maioria muito inferior às pedidas pelo Ministério Público.
"Este julgamento também pôs em evidência a necessidade de definir melhor a violação e a agressão sexual, incluindo a noção de consentimento na sua definição penal", declarou Clémence Pajot, diretora-geral da Federação Nacional dos Centros de Informação sobre os Direitos das Mulheres e das Famílias (CIDFF), num comunicado.
A Fundação das Mulheres, que, tal como outras associações francesas, reivindica uma lei global contra a violência sexual e sexista, manifestou "incompreensão" e "deceção" em relação a "certas sentenças proferidas" porque, apesar dos "testemunhos e provas", as sentenças contra os cúmplices de Dominique Pelicot ficaram aquém do que a acusação tinha pedido.
"A luta contra a impunidade está apenas a começar", afirmou a associação num comunicado, no qual também recordou que o tratamento judicial da violência sexual deve mudar.
As penas proferidas pelos juízes variaram entre 3 e 20 anos e, no total, ascenderam a mais de 400 anos de prisão, um número significativamente inferior aos 652 anos que a acusação tinha pedido para os arguidos.
As provas de todos os crimes foram encontradas pela polícia em mais de 20.000 vídeos e fotografias presentes no computador de Dominique em 2020, depois de ter sido detido por filmar por baixo das saias de mulheres num supermercado, que levaram os investigadores a contar 72 violadores, sem conseguir identificar todos.
Várias personalidades francesas e internacionais também já se expressaram sobre o julgamento, como o primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, que saudou a "dignidade" de Gisèle Pélicot.
Para a ministra da Educação demissionária francesa, Anne Genetet, este processo recorda a sociedade da "responsabilidade coletiva: fazer do respeito, do consentimento e da igualdade princípios não".
"Gisèle Pelicot travou esta batalha com uma firmeza que merece respeito e admiração. Ela encarna a coragem de todos aqueles que, por vezes na sombra e em silêncio, lutam pelos seus direitos e para que seja feita justiça", acrescentou na rede social X.
O primeiro-secretário do Partido Socialista, Olivier Faure, também se pronunciou defendendo que "o processo de Mazan foi exemplar".
"A recusa de Gisèle Pelicot de o realizar à porta fechada revelou a banalidade da violação. Este julgamento será histórico se a vergonha mudar efetivamente de lado e se a gravidade destes crimes for finalmente percebida na sua verdadeira medida", referiu.
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