Sawers considera que a Organização para a Libertação do Levante (Hayat Tahrir al-Sham, HTS), antes afiliada à Al Qaeda, "tem-se comportado como um movimento de libertação nacional e não como uma organização terrorista internacional ao longo do último ano ou dois".
"Penso que temos de lhes dar o benefício da dúvida. Temos de eliminar as proscrições que lhes são impostas", afirmou hoje, durante um seminário sobre a situação na Síria organizado pelo centro de estudos britânico Chatham House.
Em dezembro, uma coligação rebelde islamita liderada pelo HTS forçou a queda do regime do Presidente Bashar al-Assad e tomou o poder na Síria, desencadeando um processo de transição em que as novas autoridades se comprometeram a resolver os principais problemas do país, devastado por uma guerra civil iniciada em 2011.
O HTS continua classificado como terrorista pela ONU e por vários países ocidentais, nomeadamente os EUA e o Reino Unido.
Sawers defende também que a comunidade ocidental deve "atuar rapidamente para levantar as sanções" e manifestou esperança que o Presidente norte-americano, Joe Biden, avance com uma "ordem executiva para levantar pelo menos algumas dessas sanções" na última semana em funções.
O ministro dos Negócios Estrangeiros da Arábia Saudita, Faisal bin Farhan, apelou no domingo ao levantamento das sanções internacionais contra a Síria, numa reunião de países árabes e ocidentais em Riade, considerando que a sua manutenção impedirá o desenvolvimento do país.
Sawers, que atualmente dirige a consultora Newbridge Advisory sobre riscos geopolíticos, também defendeu o repatriamento de antigos membros do grupo terrorista Estado Islâmico atualmente retidos em campos de refugiados no norte da Síria controlados por forças curdas.
"Os países de onde essas pessoas eram cidadãos devem recebê-los", vincou, algo a que o Reino Unido e outros países têm resistido.
Tirando lições das quedas dos regimes de Saddam Hussein no Iraque, em 2003, e de Muammar Kadafi na Líbia em 2011, o antigo diplomata britânico defendeu que é importante evitar a instabilidade que se seguiu naqueles países.
"Quanto mais tempo nos mantivermos na situação atual, mais os 'ratos' se vão intrometer e mais as armas vão entrar e as insurreições locais podem começar. Seis semanas após o início da transição no Iraque não parecia muito mau, mas quando passámos seis meses, a situação tornou-se de facto muito, muito difícil", avisou.
Paul Salem, vice-presidente do Middle East Institute, autor de vários livros sobre geopolítica na região, defendeu a necessidade da elaboração de um roteiro "muito rapidamente, em cooperação entre a comunidade internacional e o regime de Damasco".
O plano para a reconstrução do país, referiu, deve ser coordenado com os processos de paz da ONU elaborados em 2019 e deve preparar um diálogo nacional entre diferentes comunidades.
"O HTS não pode governar a Síria. Não tem os recursos humanos, não tem a legitimidade, não tem a ideologia. Por isso, tem absolutamente de passar por um processo político, o que basicamente significa inclusão, o que significa diálogo nacional, o que significa trabalhar para eleições e a Síria", adiantou Salem.
Este analista acredita que o futuro regime possa ser inspirado por soluções políticas testadas por exemplo, no Líbano e no Iraque, que descreveu como "uma democracia eleitoral desorganizada e inclusiva".
"Não será perfeita, mas não conseguirá ser um Estado centralizado", disse.
No mesmo evento, a escritora síria Rime Allaf admitiu que sejam necessários dois a três anos para se chegar a acordo sobre uma nova constituição e realizar eleições para permitir o regresso e registo de milhões de refugiados.
"Penso que terão um grande impacto no equilíbrio entre o Islão e o tipo de governação pluralista que iremos ter. Continuo cautelosamente otimista", confiou.
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